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Semana de 22: olhares críticos – Projeto 3 x 22

Seminário “Semana de 22: olhares críticos”, via Emily Fonseca:

Programa

A Semana de Arte Moderna, realizada no Teatro Municipal de São Paulo, em fevereiro de 1922, configura-se como um dos mais importantes “lugares de memória” (Pierre Nora) da história cultural brasileira. Momento (estratégico) de convergência de intelectuais e artistas, para legitimar, no país, a experiência da vanguarda europeia do início do século XX, permaneceu como ícone de embate estético, por empenho de seus principais participantes.

Ao longo dos anos, foi sendo ressignificada, reinventada, mitificada, apropriada para atender aos mais diversos interesses pessoais ou coletivos. Este seminário pretende reavaliar criticamente o legado da Semana de 22, a partir de múltiplos ângulos interpretativos: artístico, histórico, memorialístico, sociológico, político etc.

O seminário compõe o projeto 3 vezes 22, em parceria com o Instituto de Estudos Brasileiros (IEB), a Biblioteca Brasiliana Guita e José Mindlin e a Pró-Reitoria de Cultura e Extensão da USP.

21/02 – 14h às 16h
Memorialismo: história da semana de arte moderna
Em uma visada retrospectiva, pretende-se deslindar as diversas estratégias de construção do sentido e valores culturais da Semana de 22, a partir de relato testemunhal paradigmático de Mário de Andrade, assim como da modelagem memorialística levada a termo por seus mais conceituados historiadores (Mário da Silva Brito e Brito Broca).
Convidados:
Marcos Antonio de Moraes (IEB-USP) –
“Mário de Andrade”;
Maria Augusta Fonseca (USP) –
“Mário da Silva Brito”;
João Fábio Bittencourt –
“Brito Broca”.

21/02 – 16h às 18h
Personagens, sociabilidades
Tenciona-se colocar em cena personalidades ligadas à Semana de 1922 (artistas, letrados e empreendedores), para se compreender o papel que representaram na configuração da sociabilidade modernista em seus primórdios.
Convidados:
Carlos Augusto Calil (ECA-USP) –
“Paulo Prado, fautor da Semana de Arte Moderna”;
Eduardo Coelho (UFRJ) –
“Bandeira”;
Mauricio Trindade (Centro de Pesquisa e Formação do Sesc em São Paulo)
– “O grupo dos cinco”.

22/02 – 14h às 16h
Revisitar (criticamente) a Semana de 22
Estudiosos partilham relatos de pesquisas devotadas a apreender a complexidade do momento histórico no qual estava inserida a Semana de 22, a partir da análise de diversas fontes documentais.
Convidados:
Maria Eugênia Boaventura (Unicamp) –
“22 por 22”;
Frederico Coelho (PUC-RJ) –
“Semana sem fim”;
Marcos Augusto Gonçalves –
“A semana que não terminou”.

22/02 – 16h às 18h
Repercussões regionais da Semana de 22
Evento paulistano, a Semana de 22 repercutiu, ao longo do tempo, em outras regiões do Brasil. Cabe indagar qual a natureza dessa recepção contemporânea (e extemporânea), como se deu o processo de (re)interpretação local dos valores e ideários apregoados pelo movimento modernista?
Convidados:
Sérgio Micelli (USP)  – “Modernismo mineiro”;
Humberto Hermenegildo de Araújo (UFRN) –
“O modernismo no Rio Grande do Norte”;
Maria Arminda N. Arruda (USP) –
“Literatura de Lucio Cardoso”.

23/02 – 14h às 16h
Artes visuais, espaços
Abordagem crítica da produção artística exibida na Semana de 22, considerando suas raízes e posteriores desdobramentos criativos. Colocam-se em relevo os vínculos entre questões estéticas e de gênero, assim como o tensionamento entre tradição e ruptura, tendo em vista o espaço simbólico no qual teve lugar o evento.
Convidados:
Fernanda Pitta (Pinacoteca) –
“Outras modernidades: as artes antes da semana de 22”;
Aracy Amaral (USP) –
“Artes plásticas na Semana de 22”;
Paulo Cesar Garcez Marins (Museu Paulista – USP) –
“O lugar da Semana esquecido: o Teatro Municipal no patrimônio nacional”.

23/02 – 16h às 18h
Literatura
Avaliação crítica da produção literária no tempo da Semana de 22, bem como a discussão sobre os sentidos da formação dos leitores da literatura de vanguarda. Amplia-se o debate, levando-se em conta a reverberação na atualidade do ideário contestador do movimento.
Convidados:
João Cezar de Castro Rocha (UERJ) –
“Leituras, leitores”;
Telê Ancona Lopez (IEB-USP) –
“Pauliceia desvairada, um livro moderno”;
Ferréz –
“Semana viva, ampliada, em toda parte”.

24/02 – 14h às 16h
Música
Pretende-se discutir o lugar da expressão musical na Semana de 22, no que tange aos diálogos entre a produção europeia de vanguarda e as raízes nacionais. Coloca-se em evidência a organização dos espetáculos e a atuação dos músicos participantes neles, valendo-se de documentação conservada em arquivos.
Convidados:
Flávia Toni (IEB-USP)
– “Música e modernismo na documentação de arquivo”;
Manoel Aranha  Corrêa do Lago – “Modernismo no pré-modernismo”;
Pedro Fragelli – “Mario de Andrade e a música”;

24/02 – 16h
Músicas apresentadas para piano solo na Semana de Arte de 1922 (Claude Debussy, Erik Satie e Villa-Lobos)
Convidado:
Cristian Budu

As inscrições pela internet podem ser realizadas até um dia antes do início da atividade. Após esse período, caso ainda haja vagas, é possível se inscrever pessoalmente em todas as unidades. Após o início da atividade não é possível realizar inscrição.

Condições especiais de atendimento, como tradução em libras, devem ser informadas por email ou telefone, com até 48 horas de antecedência do início da atividade.
centrodepesquisaeformacao@sescsp.org.br / 11 3254-5600

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Vagas para pesquisadores – Comissão da Verdade

Reproduzido do site Catacra Livre [via Andrea del Fuego]:

PNUD (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento) está com inscrições abertas para vagas de pesquisadores e analistas de pesquisa daComissão Nacional da Verdade, que investiga e examina violações de direitos humanos durante o período da Ditadura Militar.

Com o objetivo de apoiar projetos relacionados a desenvolvimento humano, combate à pobreza e crescimento do país nas áreas prioritárias, o PNUD Brasil é o braço da ONUque auxilia o governo brasileiro no fortalecimento das ações e da metodologia da Comissão.

Há cargos como Pesquisador Júnior, Pesquisador sênior e analista de Pesquisa. Eles têm requisitos profissionais distintos (de graduação até doutorado) e remunerações idem (de R$ 2.878,00 a R$ 8.418,00).

As vagas são para cargos em São Paulo, Rio de Janeiro e Brasília. as inscrições vão até o dia 13 de junho, sexta-feira.

Confira na página do PNUD asoportunidades e suas específicas atribuições, requisitos e remunerações, assim como as instruções para o envio de candidaturas.

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Clarice – Outra hora da estrela

Clarice Lispector

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07/01/2014 · 0:41

“Brasil na rua (1): do Movimento Passe Livre aos anarquistas do Black Bloc” – Alexandra Lucas Coelho

Texto de Alexandra Lucas Coelho extraído de seu blog, Atlântico-Sul:

No começo era a luta pelo transporte público, depois explodiu. O Brasil está há dois meses em convulsão, com protestos diários. Anuncia-se um “badernaço” para 7 de Setembro, Dia da Independência. Primeira de quatro reportagens.

Uma massa avança pela Avenida Paulista, vitrine do capitalismo no Brasil. Muitos vestem roupa escura e têm a cara tapada: máscara, capuz, lenço, pano. Na frente, a bandeira vermelha e negra que une anarquistas e socialistas libertários. Atrás, polícia de choque com escudos, espingardas, cassetetes. Por cima, helicópteros varrendo a noite com um foco de luz.

De repente, a massa corre para o átrio de um Santander e é o tumulto contra as paredes de vidro, até que um dos manifestantes avisa: “Tem gente dentro! Tem gente dentro!” Pessoas a levantarem dinheiro nos caixas automáticos. O alerta multiplica-se, nada chega a ser partido, todos voltam à pista central.

É quinta-feira, 1 de Agosto. Há menos de uma semana, uma manifestação maior, também com bandeira vermelha e negra e gente de cara tapada, atingiu 13 agências bancárias na Paulista. Esta noite são apenas várias centenas de pessoas, mas claramente focadas nos princípios do movimento pró-anarquista Black Bloc: acção directa contra coisas, não pessoas, que representem o capitalismo.

Os manifestantes caminham para o fim da avenida. Há cartazes pelo “Poder Popular”, convocatórias para um acampamento contra o governador paulista Geraldo Alckmin, faixas perguntando “Cadê o Amarildo?”, o ajudante de pedreiro da favela da Rocinha desaparecido há semanas que se tornou símbolo de luta: a última vez que foi visto estava a ser levado pela polícia militar do Rio de Janeiro.

Então, a tropa de choque concentra-se no asfalto, reforço de carros atrás, polícia militar dos lados. Compasso de espera e um manifestante de preto avança, braços erguidos na diagonal, punhos fechados, em desafio silencioso. A seguir outro, cabeça coberta com pano negro, tronco nu. E outro, cabeça coberta com pano verde. Até que se cria um cordão de punhos encostados uns aos outros, erguidos perante os escudos e as espingardas: sobretudo homens mas também mulheres, sobretudo jovens, alguns mesmo adolescentes, vários de cara descoberta.

Com o resto da manifestação nas costas, o cordão aproxima-se dos polícias de choque: “Assassinos! Fascistas!” Os insultos alternam com incitações: “Recua! Recua!” E urros ritmados: “Hu! Hu! Hu! Hu!” Uma tensão que é a soma de mês e meio de protestos, por vezes violentamente reprimidos, o maior levantamento popular no Brasil desde as manifestações que derrubaram o presidente Collor de Mello em 1992.

Depois o cordão transforma-se numa massa de braços levantados, aos gritos: o nome dos desaparecidos, dos desalojados à força. Rapazes de cabeça coberta ajoelham-se de punhos erguidos, dando as costas à polícia, que se mantém quieta. Tudo indica que, esta noite, o batalhão de choque tem ordens para não carregar se nada for partido.

Entretanto, no tumulto em volta, manifestantes são detidos, e a massa vai até à carrinha policial: “Solta! Solta! Luta não é crime!” Entre os que gritam está Felipe, estudante de História na Universidade de São Paulo (USP) e porta-bandeira vermelho e negro. “A nossa bandeira é o anarco-sindicalismo, a gente quer uma sociedade organizada pelos trabalhadores”, diz, cara descoberta, aparelho nos dentes. “Só esse trimestre [passado] o banco Itaú lucrou mais de três bilhões de reais.” Para atalhar a questão do quebra-quebra, como dizem os brasileiros.

 

No vão da História

 Indo ao começo desta convulsão no Brasil, um dos eixos será justamente a Faculdade de Geografia e História da USP, bastião da universidade pública com longa tradição de esquerda.

Estamos na véspera da manifestação na Paulista e o vão do edifício está cheio de bandeiras, cartazes, palavras de ordem. Encontro marcado ao começo da noite com Luísa Mandetta, 19 anos, estudante de Ciências Sociais, uma das militantes do Movimento Passe Livre (MPL), onde não há líderes nem porta-vozes, todos são militantes.

O MPL foi o rastilho, em Junho, ao convocar manifestações contra o aumento dos ônibus na cidade, de 3 para 3,20 reais. Transporte é um drama central em São Paulo, megalópole engarrafada, com um metro pequeno e atulhado, maus ônibus e cheios, além da corrupção associada a empresas de transportes. Tudo isto começa a ser também o drama de muitas cidades brasileiras em crescimento, e uma resposta policial aos protestos com gás lacrimogéneo, balas de borracha, muitas dezenas de feridos e detidos ajudou a que o levantamento engrossasse, espalhando-se pelo país, multiplicando as razões de protesto. Tribos e movimentos que há anos tinham trabalho de base vieram ao de cima. Poderes públicos e privados ficaram perplexos: tudo eram perguntas tentando entender verdades múltiplas, muito além do aumento. Entretanto o MPL ganhou a etapa a que se propusera: por todo o Brasil as novas tarifas de ônibus caíram em dominó. Assim reforçada, a luta continua.

Argolinha no nariz, lenço na cabeça, Luísa senta-se com um recado escrito na mão: uma frique que podia estar neste momento a construir a Festa do Avante. Mas não pertence a nenhum partido, nem é filha de militantes. Toda a militância dela é o MPL, que na página do Facebook, com 300 mil seguidores, se define como “movimento social autónomo, apartidário, horizontal e independente”, em luta “por um transporte público de verdade, gratuito para o conjunto da população e fora da iniciativa privada”.

Baptizado com esse nome, o colectivo existe desde o Fórum Social Mundial de Porto Alegre, em 2005, mas a ideia inspira-se em lutas anteriores pelo transporte público em Florianópolis e Salvador. Não se trata de “ônibus de graça”, esclarece o manifesto: “Esse ônibus teria um custo, mas pago por impostos progressivos, não pela tarifa. O que a prefeitura precisa fazer é uma reforma tributária nos impostos progressivos, de modo que pague mais quem tem mais dinheiro, que pague menos quem tem menos e quem não tem não pague (impostos e taxas).” E ainda: “Distribuir melhor o orçamento público, separando uma parte para subsidiar o transporte, ao invés de gastar dinheiro em propaganda, corrupção e obras que não atendem às reais necessidades da população.”

Com a desenvoltura de quem dá o seu tempo livre ao MPL há dois anos, Luísa explica: “Vemos a mobilidade urbana como a questão que atravessa todo o direito à cidade. Para você ter saúde, educação, lazer, cultura, tem de conseguir chegar aos lugares. Então, transporte é luta de todo o mundo. Por isso o movimento tomou estas proporções.”

O aumento dos transportes tocou no bolso da população, foi o clique, mas muito trabalho já vinha a ser feito, na rua, em escolas, em campanhas, ressalva Luísa. E essa obstinação reflecte-se na firmeza com que ela e os colegas enfrentaram a polícia nos momentos violentos. “Nunca tive medo”, diz sobre a noite em que de repente se viu no meio de balas e gás. “Fui atrás, filmando tudo.”

 

Cultura de luta

 Junta-se à conversa Mayara Vivian, 23 anos, finalista de Geografia. Foi uma das enviadas do MPL a Brasília, quando a presidente Dilma Rousseff recebeu o movimento, já com a primeira batalha ganha. Fala das balas e do gás: “Cai uma bomba e a gente não sai. Ao invés de saírem correndo, as pessoas dispersam-se por grupos de 1000. Quem tem prática de manifestações diz: ‘Calma! Calma! Não corram!’ E isso foi sedimentado ao longo de anos.”

Mayara está no MPL desde a origem, ou seja, começou nisto aos 15. Brasília e o mundo podem ter sido apanhados de surpresa, mas o que rebentou em Junho não começou em Junho. “Construímos uma cultura de luta”, resume Luísa.

E no núcleo duro paulista não chegam a 50 pessoas. Tal como não têm líderes, não gostam de individualizar. Desconfiam da grande media brasileira, tradicionalmente conotada com interesses conservadores, políticos e económicos. Mayara não gostou de ser protagonista nos media e começa a responder de pé-atrás às perguntas do Público: onde cresceu, se conviveu com militância familiar. No máximo, diz que vem de uma periferia já na fronteira com o ABC paulista (a cintura industrial onde Lula foi operário), que os pais não têm ensino superior completo nem histórico de militância, que ela estudou sempre em escola pública.

Não fala sobre uma luta mais ampla. A “pauta” final do MPL — o objectivo — é a tarifa zero. E tem avançado, de batalha em batalha. “Há cinco anos a gente era chamado de maluco por falar em tarifa zero, mas agora conseguiu colocar isso na rua. Os 20 centavos eram a ponta do iceberg, por baixo tem os 3 reais.”

Acontece que a “pauta” explodiu em todas as direcções. E aí? O MPL vai continuar a falar só de tarifa zero? “Somos um movimento social anti-capitalista, portanto apoiamos todas as outras lutas para desconstruir a opressão generalizada”, ressalva Mayara. “A cidade é pautada pela lógica capitalista, expulsa pessoas, então a gente tem que ser solidária.” Por exemplo com ocupações ou resistência a despejos, de que São Paulo tem muitos exemplos no centro e na periferia.

Entretanto, uma das tendências nas manifestações foi a contestação generalizada aos partidos, abrindo todo um debate: a democracia representativa está a ser posta em causa?, a geração de 20 anos é anti-partidária? “O MPL não é anti-partidário, é apartidário”, distingue Mayara. A gente luta por um mundo em que caibam todos os mundos.” Vários partidos de esquerda se juntaram às primeiras manifestações e o MPL diz que são bem vindos todos os que reivindicam outra lógica de transporte público.

Ao mesmo tempo, o movimento cruza-se na rua com colectivos em que não se revê, como o Fora do Eixo, casa-mãe da Mídia Ninja, um fenómeno de transmissão dos protestos pela Internet (ver reportagem amanhã).

Exemplos exteriores em que os MPL se reveja? “Estamos inseridos num movimento histórico que tem a ver com os zapatistas”, diz Luísa. Ela própria esteve em Chiapas, num dos “caracóis” zapatistas, por coincidência aquele em que a repórter esperou à porta, enquanto viajantes de todo o mundo entravam, porque era jornalista, e os zapatistas tinham decidido que não iam falar a jornalistas.

Quando a repórter comenta que esse não foi um momento democrático, Mayara contrapõe: “Tem a democracia burguesa e tem a democracia das ruas.” Acha normal os zapatistas fecharem-se a jornalistas. “A reunião do MPL também é fechada. Se o Octávio Frias [director da “Folha de S. Paulo”] quiser vir numa reunião do MPL, não tem que vir mesmo.” Manifestações, acções em escolas, marchas, são abertas, “reuniões para discutir táctica são fechadas”. Parece vocabulário de guerra. “Mas a gente vive numa guerra de classes. E tem mídia de esquerda e mídia de direita. A gente chama de mídia de esquerda a que vai botar no jornal aquilo que a gente diz.” A outra mídia, dizem, manipula, acentua os actos de vandalismo. “A ‘Folha’ até inventou que a gente ia filmar os vândalos para ajudar a polícia.”

 

Zapata bloc

 Desde o encontro com Luísa e Mayara no vão da História, o MPL não parou: este segundo fim de semana de Agosto multiplicaram-se manifestações em Pernambuco e na Bahia, onde o governador os recebeu. Dia 14 de Agosto há uma manifestação convocada para o centro de São Paulo: “Chega de sufoco e corrupção: por um transporte público estatal de qualidade!”

E, na multiplicação das tribos, os militantes do movimento vão continuar a cruzar-se com o Black Bloc. Não usam a “acção directa” contra bancos ou multinacionais, mas coincidem em questões programáticas, como o anti-capitalismo ou a admiração por Zapata.

Na página do Black Bloc Brasil no Facebook, que no fecho desta edição estava com mais de 37 mil seguidores, o lema no topo vem de Emiliano Zapata: “É melhor morrer de pé do que viver de joelhos.” Percorrendo dias, semanas, meses, é possível encontrar tanto Einstein (“O mundo não será destruído por aqueles que fazem o mal, mas por aqueles que os olham e não fazem nada”) como clássicos do anarquismo e brasileiros contemporâneos.

Movimento-táctica com origem em grupos europeus desde os anos 80, o Black Bloc expõe, na sua página brasileira, um conjunto de princípios: não tem líderes; luta contra “grandes corporações, instituições e organizações opressoras”; protege os manifestantes da violência do estado; acredita que o pequeno empresário é vítima e também tenta protegê-lo; vê a polícia como inimiga “somente a partir do momento em que suas acções tomam carácter opressor”.

Está a crescer pelo país. Sexta-feira colocou a bandeira vermelha e negra na ocupação da Câmara Municipal do Rio de Janeiro. Para 7 de Setembro, Dia da Independência, promete um “badernaço” nacional, sobretudo em Brasília.

Na noite de 1 de Agosto, os seus adeptos acabaram a descer pela Rua Augusta, rumo à delegacia para onde tinham sido levados os detidos. Novo frente-a-frente com o batalhão de choque, até a polícia militar lançar gás de pimenta. Fora essa tosse, não houve bancos partidos, nem gás ou balas. E nenhum cara-tapada se recusou a falar com a repórter, nem que fosse só para dizer: “Nossa acção é directa, não tem necessidade de explicação.”

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O silêncio e a prosa do mundo

Extraído do site do projeto Mutações, coordenado por Adauto Novaes:

Programação

RIO DE JANEIRO
O evento ocorrerá de 14 de agosto a 9 de outubro no Espaço Cultural Eliseu Visconti (Auditório Machado de Assis na Fundação Biblioteca Nacional) com conferências às segundas, terças e quartas às 19h. O curso completo contará com a presença dos seguintes palestrantes: Francis Wolff, Pedro Duarte, Olgária Matos, Franklin Leopoldo e Silva, Oswaldo Giacoia Jr, Jean-Pierre Dupuy, Marcelo Coelho, Renato Lessa, Pascal Dibie, Eugenio Bucci, Eugene Enriquez, Newton Bignotto, José Miguel Wisnik, Elie During, Jorge Coli, Guilherme Wisnik, João Carlos Salles, David Lapoujade, Romain Graziani, Frédéric Gros, Vladimir Safatle, Marcelo Jasmin, Luis Alberto Oliveira, Antonio Cicero e Francisco bosco.
VEJA A PROGRAMAÇÃO

Inscrições a partir de 1/08
Mediateca da Maison de France
Av. Presidente Antonio Carlos, 58 / 11 andar
Telefone: 3974-6688

SÃO PAULO
O evento ocorrerá de 15 de agosto a 11 de outubro no Sesc Vila Mariana com conferências às quartas, quintas e sextas (apenas duas datas em terças), sempre às 19h30. O curso completo contará com a presença dos seguintes palestrantes: Francis Wolff, Pedro Duarte, Olgária Matos, Franklin Leopoldo e Silva, Oswaldo Giacoia Jr, Jean-Pierre Dupuy, Marcelo Coelho, Renato Lessa, Pascal Dibie, Eugenio Bucci, Eugene Enriquez, Newton Bignotto, José Miguel Wisnik, Elie During, Jorge Coli, Guilherme Wisnik, João Carlos Salles, David Lapoujade, Romain Graziani, Frédéric Gros, Vladimir Safatle, Marcelo Jasmin, Luis Alberto Oliveira, Antonio Cicero e Francisco bosco.
VEJA A PROGRAMAÇÃO

Inscrições a partir de 10/07
http://www.sescsp.org.br
ou nas unidades do SESC SP

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Chega de sufoco!

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14/08/2013 · 1:08

As manifestações

Aos amigos portugueses, que pedem esclarecimentos. Os comentários de Gilberto Dimenstein são excelentes:

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“Le Corbusier, paisagem do Rio”

Texto de Rodrigo Queiroz publicado no blog do Instituto Moreira Salles:

A segunda passagem de Le Corbusier pela cidade do Rio de Janeiro se estende por 35 dias, de 10 de julho a 15 de agosto de 1936. Um dia antes de seu retorno a Paris, o arquiteto registra em um pequeno desenho uma vista da cidade e o oferece à pintora Tarsila do Amaral, com a breve inscrição: “Rio, 14 août, 1936. À madame Tarsila. Amicalement, Le Corbusier”.

Em sua primeira passagem pelo Brasil, quando permaneceu nas cidades de São Paulo e Rio de Janeiro entre 19 de novembro e 9 de dezembro de 1929, Le Corbusier já havia feito um desenho e ofertado à “madame Tarsila”. Neste caso, não se tratava apenas de uma vista da cidade. O desenho reproduz, em perspectiva aérea, sua proposta urbana para a cidade de São Paulo. A inscrição não é tão sumária como aquela presente no desenho carioca, mas também não é uma dedicatória, sequer menciona o nome da destinatária. Abaixo da tomada aérea, o arquiteto declara que aquela solução para São Paulo é apenas indicativa, faltando definir os acertos entre o projeto e o tecido da cidade: “Ceci, à simple titre indicatif. Restant à exprimer toutes les solutions de raccord des autostrades avec le réseau des rues. Le Corbusier, Saint Paul, novembre 1929”.¹

O desenho como registro da percepção da paisagem e da cultura é um procedimento recorrente e fundamental para a compreensão do pensamento de Le Corbusier. Grande parte desses desenhos foi produzida em dimensões reduzidas, em pequenas cadernetas de viagem, seus conhecidos carnets.

Arquiteto autodidata, Le Corbusier tem sua formação ligada diretamente às suas viagens, sejam as de estudo, na juventude, sejam aquelas provenientes de convites para a realização de projetos e conferências, que também são identificadas por outro tipo de desenho, em grande formato, na posição vertical, apoiado sobre cavalete e elaborado com uma velocidade espantosa, correspondente ao tempo da oratória provocativa, mas convincente, que caracteriza suas conferências.

Das viagens de estudo, talvez a mais conhecida seja aquela que originou o livro Viagem ao Oriente, empreendida em 1911, quando foram visitadas cidades como Praga, Viena, Budapeste, Istambul, Atenas, além de parte do sul da Itália. Já as viagens de caráter profissional e acadêmico têm na sua primeira vinda ao continente americano, em 1929, uma de suas edições mais famosas, registrada pelo arquiteto no livro Precisões sobre um estado presente da arquitetura e do urbanismo. ²

Apesar de sua evidente adesão ao projeto moderno, grande parte das soluções arquitetônicas e das premissas teóricas do arquiteto – mesmo algumas daquelas pertencentes ao seu período purista, identificado pelas maisons blanches projetadas durante a década de 1920 – resultam justamente dessa capacidade de interpretar o ambiente à sua volta a partir de uma perspectiva propositiva, projetual.

Diferentemente da ala mais radical da vertente construtiva do projeto moderno, as postulações de Le Corbusier sobre arquitetura e urbanismo, como os “cinco pontos da arquitetura moderna”, a “carta de Atenas” e a conhecida alcunha da habitação como “máquina de morar”, não resultam em uma forma pronta, consequência da aplicação de seus conceitos. Ao contrário, justamente por serem conceitos objetivos e não um vocabulário plástico, têm a capacidade de expandir ao infinito de soluções formais. Por isso, Le Corbusier é o arquiteto mais influente do século XX, com um legado construído por discípulos nas mais diversas localidades do globo, e aqui no Brasil, claro, é responsável pela formação moderna de Oscar Niemeyer.

Entretanto, mesmo conceitos generalizáveis como “os cinco pontos da arquitetura moderna” (térreo-livre; planta-livre; fachada-livre; janela horizontal e teto-jardim) decorrem, para Le Corbusier, de uma visão de mundo, paradoxalmente, construída a partir da percepção específica de cada um dos diversos lugares que visitou, e de onde extrai sabiamente suas convicções e seu próprio repertório.

Para além da relação entre forma racional e espaço homogêneo que identificam a promessa da civilização maquinista, imersa em um mundo “standard”, consequência da fusão entre arte e indústria, segundo Le Corbusier, a arquitetura deve ser, antes disso, “o jogo sábio, correto e magnífico dos volumes dispostos sob a luz”. Isto é, para o arquiteto, a arquitetura resulta da bela relação entre forma e espaço, construída e aferida pela visão e instruída por parâmetros clássicos de proporção, como uma composição resultante da síntese entre um conceito formal latente e a percepção de um lugar específico. Eis a configuração de um belíssimo dilema: a tentativa de conciliação entre o L’Esprit Nouveau e a perenidade da arte.

A leitura da paisagem, para Le Corbusier, ultrapassa o sentido de fundo para um contexto cultural invariavelmente identificado pelo registro de personagens locais, alguns deles, inclusive, identificados em seus desenhos, como os modelos cariocas Alcebíades e Jandira.

No panorama da paisagem carioca ofertado à Tarsila do Amaral, nota-se em primeiro plano uma figura humana de costas, com ponto de vista praticamente coincidente ao do autor. Trata-se de uma típica moradora do morro, uma mulata corpulenta, com quadril proeminente, equilibrando na cabeça uma bacia escorada pela mão direita. Notem que a mão da mulata ganha um contorno mais masculino, bruto, pouco delicado.

A mão sempre despertou grande fascínio e protagonizou momentos significativos no imaginário em Le Corbusier. Para o arquiteto, esse mecanismo humano é a imagem da capacidade do homem de transformar o mundo, seja na arte, no trabalho ou na construção da forma arquitetônica. ³

A mão do próprio Le Corbusier era conhecida por suas características marcantes: enorme, áspera, pétrea, vincada pelas ações do uso e do tempo. O desenho de Le Corbusier é o registro do ato que identifica o embate da mão contra o papel. Em seus desenhos a linha não flui leve e delicada, como em Niemeyer. A linha é aflitiva, um mesmo gesto assume várias espessuras. Tanto o bico de pena, nos pequenos formatos, como o carvão, nos grandes, literalmente sulcam o papel. A linha é o registro gravado de uma ação cujo caráter afirmativo está na tensão aplicada contra o plano.

A própria constituição geográfica da cidade do Rio de Janeiro, como uma estreita e disforme faixa urbanizada entre as montanhas e o mar, para o arquiteto, se assemelhava a uma mão aberta sobre a água: “As ruas da cidade orientam-se para o interior, nos estuários de planície, entre montanhas que precipitam de altos planaltos; estes planaltos seriam como o dorso de uma mão espalmada, à beira-mar; as montanhas que descem são os dedos da mão; eles tocam o mar; entre os dedos das montanhas existem estuários de terra e a cidade está dentro deles.” 4

Em seus escritos e projetos não faltam menções à mão, talvez a mais conhecida seja a escultura intitulada “Mão Aberta”5, que, como o próprio nome diz, consiste em uma mão aberta de concreto aparente localizada no centro cívico da cidade indiana de Chandigarh, projetado pelo arquiteto entre 1950 e 1965.

Ao observarmos a mão que segura a bacia, é inevitável a associação à avantajada mão esquerda que apareceria na mítica figura humana Le Modulor, escala e medida para um mundo ainda a ser projetado e construído, um novo homem vitruviano inventado por Le Corbusier.

Durante sua segunda passagem pela cidade do Rio de Janeiro, Le Corbusier faz um filme chamado “Voyage à Rio”. Entre sequências e fotogramas avulsos, o arquiteto registra a cidade e seus personagens, além dos meios de transporte que propiciaram sua vinda ao Rio e seu retorno à Europa, respectivamente, o dirigível Graf Zeppelin e o transatlântico Lutetia. Para Le Corbusier, essas gigantescas máquinas modernas representavam a síntese suprema entre forma e função, onde a beleza resulta justamente da expressão máxima da função, sem a necessidade de qualquer formalização que ultrapasse o estrito desenho que viabiliza seu uso.

A maioria do filme é dedicada ao registro de cenas da favela do Morro da Providência. Entretanto, acredita-se que o desenho oferecido à Tarsila tenha sido elaborado de outro ponto de vista, muito provavelmente, na favela do Morro do Santo Antônio, localizado na região central do Rio de Janeiro, único ponto elevado de onde seria possível o enquadramento em uma mirada mais estreita, da esquerda para a direita, do Pão de Açúcar, do Morro do Corcovado e do Aqueduto da Carioca (Arcos da Lapa).6

No final da década de 1950, o Morro de Santo Antônio foi desmantelado e seu descomunal volume de terra removido para a construção do longilíneo parque linear à beira-mar, um prolongamento do continente sobre a água, conhecido como Aterro do Flamengo, superfície moderna projetada por Affonso Eduardo Reidy e Roberto Burle Marx.

Até então, as favelas do Morro da Providência e do Morro de Santo Antônio eram conhecidas como as mais antigas da cidade do Rio de Janeiro.

Assim como nesse desenho, em grande parte de seus registros fílmicos a Baía da Guanabara, com os perfis do Pão de Açúcar e do Morro do Corcovado, constroem um fundo distante para o registro da história desses personagens em primeiro plano.

Já em sua primeira visita ao Rio de Janeiro, Le Corbusier chamava a atenção para a suposta dignidade desse casario encravado nos morros cariocas, cuja implantação permite a visão desimpedida para aquela espetacular paisagem. Trata-se de um argumento compreensível, principalmente partindo daquele que, ao ser tomado de assalto pela paisagem do “novo mundo”, proferiu a célebre frase: “Só existo na vida com a condição de ver”.

Segue trecho que descreve suas impressões sobre as favelas cariocas, publicado em seu livro Precisões:

Quando escalamos as ‘favelas’ dos negros, morros muito altos e escarpados, onde eles dependuram suas casas de madeira e taipa, pintadas em cores vistosas, e que se agarram a esses morros como os mariscos nos enrocamentos dos portos – os negros são asseados e de estatura magnífica, as negras vestem-se de morim branco, irrepreensivelmente lavado; não existem ruas ou caminhos, é tudo muito empinado, mas atalhos por onde escoam o esgoto e a água da chuva; ali ocorrem cenas da vida popular animadas por uma dignidade tão magistral que uma requintada escola de pintura encontraria, no Rio, motivos muito elevados de inspiração; o negro tem sua casa quase sempre a pique, sustentada por pilotis na parte da frente, com a porta atrás, do lado do morro; do alto das ‘favelas’ sempre se contempla o mar, as enseadas os portos, as ilhas, o oceano, as montanhas, os estuários; o negro vê tudo isso; o vento reina, útil sobre os trópicos; existe orgulho, no olhar do negro que contempla tudo isso; o olho do homem que avista horizontes vastos é mais altaneiro; tais horizontes conferem dignidade; eis aqui uma reflexão de urbanista.7

Tanto no desenho do morro como no filme “Voyage à Rio” temos a nítida impressão que Le Corbusier atualiza aquelas imagens descritas sete anos antes, na viagem de 1929, reafirmando as mesmas impressões. Em seu desenho, o autor parece recuperar a negra vestida de “morim branco, irrepreensivelmente lavado” que, com o “olhar altaneiro” voltado para a paisagem definida pela horizontal infinita do mar, pontuada pelos imensos rochedos que dele emergem – imagem símbolo da direção do olhar estrangeiro desde Frans Post – parece “avistar os horizontes vastos” que conferem dignidade ao homem.

O trecho de praia retratado em seu desenho, definido por dois traços curvos que marcam a linha de encontro entre o mar e o continente, se aproxima do território escolhido por Le Corbusier para a implantação de sua versão pessoal para a sede do Ministério da Educação e Saúde Pública (Mesp). Na opinião do arquiteto, o edifício não deveria ser um volume inscrito em quadra convencional, no centro da cidade, mas uma delgada lâmina horizontal disposta sobre uma imensa superfície plana e com sua face principal voltada integralmente para o mar.8

Assim como no seu pequeno desenho da paisagem do Rio de Janeiro, em todas as perspectivas dos espaços interiores do projeto de Le Corbusier para o Mesp, do lado de fora do pan de verre, aparece o contorno do Pão de Açúcar. Vale lembrar que todas as perspectivas foram desenhadas pelo seu jovem assistente, Oscar Niemeyer.

Para Le Corbusier, a percepção da urbanidade carioca talvez resida mesmo no aspecto pitoresco da crônica desse cotidiano recém-descoberto. Entretanto, sua proposição arquitetônica e urbanística advém de uma percepção geográfica da paisagem. Seu plano urbanístico para a cidade do Rio de Janeiro, iniciado em 1929 e retomado por conta própria em 1936, é um exemplo dessa visão que deseja apreender a paisagem em sua totalidade como uma imagem única.

O projeto da arquitetura moderna, por princípio, não é o projeto de um objeto, mas sim o projeto do espaço que define a cidade moderna, elaborada pelas vanguardas como uma experiência apartada da cidade, uma síntese entre forma abstrata, industrialização e planificação urbana, a partir do zero.

Após a apreensão da paisagem carioca dos mais distintos pontos de vista (do mar, do céu, e das cotas da cidade formal e do morro), e do contato com seus personagens, Le Corbusier reconhece que o projeto da cidade moderna dado pela anódina relação condicional entre forma ortogonal em série e superfície planificada, pelo menos naquela situação extraordinária, perde completamente seu sentido.

A latente convocação ao enfrentamento de uma paisagem que representa espetacularmente a relação entre civilização e natureza coloca em questão a já conhecida fuga do projeto moderno em direção a uma suposta superfície ideal para a constituição da cidade moderna. Entretanto, a partir do momento em que se volta para uma conjuntura construída entremeada pela natureza, a arquitetura moderna, por questões éticas, não poderia se reduzir à mera condição de elemento de composição nesse conjunto heterogêneo, mas deveria encontrar uma estratégia para configurar sua dimensão coletiva sem perder sua unidade formal, mesmo que imersa em um contexto preexistente tão marcante.

Como resposta a essa questão crucial para a arquitetura moderna, Le Corbusier propõe como “plano urbano” para o Rio de Janeiro uma edificação linear e sinuosa, com surpreendentes seis quilómetros de comprimento, composta por módulos habitacionais e autoestrada na cobertura, que sobrevoa suspensa por pilotis de trinta metros de altura a cidade que se preserva “intacta”. Isto é, para Le Corbusier, a cidade moderna sobreposta à cidade real define-se como uma imensa infraestrutura, uma forma unitária que, nesse caso, dá o contorno de uma edificação que assume a escala da própria paisagem. Trata-se, paradoxalmente, da referência que funda a autonomia estética da própria arquitetura moderna braseira.

À espera da chegada de seu projeto visionário, o Rio de Janeiro que ilustra seu desenho dedicado à Tarsila do Amaral está estruturado por três planos sucessivos: em primeiro plano, a negra que dá as costas para o autor; num plano intermediário, a cidade histórica, marcada, ao centro e à esquerda, por um casario modesto, e, à direita, pelo Aqueduto da Carioca; e como plano de fundo, a paisagem natural, definida pelos contornos do Pão de Açúcar e do Concorvado.

A escolha do ponto de vista e o modo como Le Corbusier constrói o desenho, mesmo que aparentemente ligeiro, contém informações suficientes para a compreensão dos três temas fundamentais que balizam toda a reflexão e a ação projetiva do arquiteto: o homem, a história e a natureza.

* Rodrigo Queiroz é arquiteto, professor do Departamento de Projeto da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo FAUUSP. Possui mestrado (ECAUSP, 2003) e doutorado (FAUUSP, 2007) sobre arquitetura moderna brasileira. Pesquisador e curador de exposições de arquitetura moderna (Coleção Niemeyer – MACUSP, 2007; Brasília: a utopia come true – Triennale di Milano, 2010; Le Corbusier, América do Sul, 1929 – Centro Universitário Maria Antonia, 2012).

NOTAS:

1. Transcrição da caligrafia de Le Corbusier feita por Ingrid Quintana Guerrero, arquiteta, doutoranda da FAUUSP e pesquisadora da obra do arquiteto.

2. LE CORBUSIER. Viagem ao oriente. São Paulo: Cosac Naify, 2007.

LE CORBUSIER. Precisões sobre um estado presente da arquitetura e do Urbanismo. São Paulo: Cosac Naify, 2004.

3. WOGENSCKY. André. Mãos de Le Corbusier. São Paulo: Martins Fontes, 2007.

4. LE CORBUSIER. Precisões sobre um estado presente da arquitetura e do Urbanismo. São Paulo: Cosac Naify, 2004. p.228.

5. Não é mera coincidência que a escultura de Niemeyer localizada no Memorial da América Latina em São Paulo (1986/1989), na forma de uma mão aberta, também em concreto aparente, tenha recebido inclusive o mesmo nome de “Mão Aberta”.

6. A pesquisa para a localização geográfica dos pontos de onde foram feitas as tomadas do filme “Voyage à Rio” e o desenho de Le Corbusier foi realizada em conjunto com o pesquisador e professor da FAUUSP Hugo Segawa.

7. LE CORBUSIER. Precisões sobre um estado presente da arquitetura e do Urbanismo. São Paulo: Cosac Naify, 2004. p.228/229 grifo nosso.

8. A motivação original que resultou na segunda visita de Le Corbusier ao Rio de Janeiro foi o convite para que o arquiteto participasse como consultor nos projetos da nova sede do edifício do Ministério da Educação e Saúde Pública e do campus da Universidade do Brasil.

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“Obras-primas impressionistas do Museu d’Orsay são expostas em SP”

Reproduzido do site da Folha de S. Paulo. Matéria de Silas Martí:

Nas décadas que vieram depois da invenção da fotografia em 1840, artistas libertaram a pintura do peso do real e fizeram da Paris da virada para o século 20 o centro do mundo da arte com um movimento de vanguarda que fundou o olhar moderno.

Impressionistas, que pintavam a partir de sensações do contato direto com a paisagem, sem se preocuparem com a fidelidade à retina, enquadraram o mundo em cores vibrantes e contornos fugidios –o movimento da vida moderna capturado nas duas dimensões da pintura.

Mestres dessa escola, como Pierre-Auguste Renoir, Claude Monet e Vincent van Gogh, serão todos reunidos agora na maior mostra do movimento já realizada no país.

São obras-primas do Museu d’Orsay, em Paris, que chegam neste sábado ao Centro Cultural Banco do Brasil, em São Paulo, espaço que teve um andar inteiro esvaziado para receber a exposição.

“Esse foi o primeiro momento em que a França teve uma arte de vanguarda”, resume Guy Cogeval, diretor do Museu d’Orsay, em entrevista à Folha. “Agora que o mundo enxerga o Brasil como superpotência também na cultura, é hora de essas peças chegarem a uma cidade global como São Paulo.”

Obras atmosféricas, pintadas sob a luz solar ou céus estrelados, essas peças escandalizaram uma Paris ainda viciada nos fru-frus dos românticos e na crueza do realismo de artistas como Gustave Courbet, que tentaram retratar a vida como ela era.

Mas Monet, Renoir, Cézanne e a trupe impressionista estavam mais interessados na vida como ela era sentida.

Uma das peças mais importantes da coleção do d’Orsay e obra central da mostra, “La Gare Saint-Lazare”, vista da estação ferroviária de Paris que Monet fez em 1877, resumia a velocidade e o espírito industrial da época em locomotivas que se perdiam em nuvens de fumaça violeta.

Noutra vertente do movimento, Edouard Manet, que causara escândalo com sua Olympia e “O Almoço na Relva”, foi recusado no Salão de Paris em 1866 com o singelo retrato de um garoto em uniforme militar tocando pífaro, uma espécie de flauta.

Jurados do salão consideraram o quadro “vulgar” e “ridículo”, embora estivessem ali os primeiros acenos ao japonismo que informou os impressionistas, figuras arquetípicas contra planos de cor sólida e uma verticalidade fluida, além de uma luminosidade ampla e expressiva.

“É um menino anônimo, num quadro sem qualquer traço decorativo, muito moderno”, diz Cogeval, que assina a curadoria com Caroline Mathieu. “Ele foi o ponto de partida de questões-chave do movimento.”

Mais impressionista de todos eles, Monet tem na mostra, além da estação de trem, também uma das vistas de seu famoso jardim japonês, de plantas que quase afogam um lago sob uma ponte.

Renoir, outro nome potente do impressionismo, faz de sua representação da pele dos personagens quase um manifesto da escola. São colorações entre o branco e o rosado, figuras que parecem feitas de luz, a sensação de movimento fugaz em cada rosto ou expressão em cena.

EMBRIÃO DA VANGUARDA

Mas a mostra não fica presa ao apogeu do movimento e destaca também a transição dos primórdios do impressionismo para obras que serviram de embrião para as vanguardas que chacoalharam Paris no início do século 20.

Van Gogh e Paul Gauguin, que conviveram em Arles, no Sul da França, deram feições mais rudes aos traços e transformaram seus personagens em quase caricaturas, sem medo de subverter o retrato.

Paul Cézanne fez a ponte das impressões fugidias de Renoir e Monet para a geometria das figuras do cubismo de Pablo Picasso. Estão na mostra seu autorretrato contra fundo rosa, uma das obras mais célebres do artista, além de paisagens e naturezas-mortas que já demonstram como ele decupou o que via em cubos, esferas e cilindros.

IMPRESSIONISMO
QUANDO: abre em 4/8; de ter. a dom., das 10h às 22h; até 12/10
ONDE: CCBB (r. Álvares Penteado, 112, tel. 0/xx/11/3113-3651)
QUANTO: grátis

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“E a noite roda”, de Alexandra Lucas Coelho – Lançamento

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