Reproduzo a coluna da revista Ler de setembro:
CLARICE NO EXTERIOR
Em 24 de outubro será lançado, em Nova York, pela New Directions, o primeiro título da reedição da obra de Clarice Lispector nos Estados Unidos da América: o romance A hora da estrela, com tradução de Benjamin Moser, biográfico da autora. Moser assina ainda a coordenação das reedições, que já conta com outros quatro livro em produção: Perto do coração selvagem, A paixão segundo G. H., Água viva e Um sopro de vida. A notícia foi dada por Josélia Aguiar, do jornal A Folha de S. Paulo.
REPORTAGEM NO MUSEU
A editora Língua Geral acaba de lançar Tahrir: os dias da revolução no Egito, da jornalista portuguesa Alexandra Lucas Coelho. Segundo José Eduardo Agualusa, “Este é um livro que orgulha qualquer editora”. O livro foi publicado na coleção Museu de Tudo, até então dedicada apenas a antologia de contos, crônicas, letras de música e poemas. O acréscimo torna a coleção ainda mais interessante e diversa.
A NOVA POESIA
A revista Poesia Sempre, um dos periódicos brasileiros que já fez história, está com um novo editor e uma nova proposta editorial. Afonso Henriques Neto substitui o acadêmico Marco Lucchesi. Especializada na tradução de poesia, já tendo divulgado a literatura muitos países, agora a revista vai publicar somente os brasileiros. “Não só a velha e boa poesia existente, como a nova, movida em grande parte pelas novas tecnologias digitais, especialmente nos blogs, mas também nas redes sociais”, afirmou Aníbal Bragança.
A GLOBO E O RIGOR
A Companhia das Letras vem reeditando a obra de Erico Verissimo, autor da notável série de romances O tempo e o vento. Além de escritor, Verissimo destacou-se pela sua atividade editorial, quando esteve ao lado da família Bertaso, em Porto Alegre, na editora Globo. Em torno dessa história escreveu Um certo Henrique Bertaso (102 p.), relançado em julho deste ano. O livro ainda nos traz, na metade dessa narrativa deliciosa, um caderno de 16 páginas com rica iconografia.
Tudo começou com a Livraria do Globo, na rua da Praia, onde Henrique Bertaso, em 1922, então com 15 anos, foi levado por seu pai a trabalhar como “caixeiro”. O velho Bertaso queria ocupar um de seus filhos, Henrique, pois ele estava se tornando uma “pequena peste doméstica, com tempo demais a pesar-lhe nas mãos e no crânio”. Em pouco tempo Henrique seria o melhor “caixeiro” da Casa, socorrendo inclusive os colegas mais experientes.
A Livraria do Globo, assim como a José Olympio, no Rio de Janeiro, reunia os principais escritores, intelectuais e políticos locais, grupo de que faria parte, anos depois, o nosso Erico Verissimo, recém-mudado de Cruz Alta, interior do Rio Grande do Sul, para a capital do estado. Fase dura, em que Verissimo batia de porta em porta atrás de emprego, sem conquistar qualquer posição. O dinheiro que juntara em Cruz Alta, quando balconista de farmácia, ia se esgotando.
Uma tarde, à porta da livraria, Verissimo encontrou Mansueto Bernardi, então diretor da Revista do Globo, que estava se mudando para o Rio de Janeiro, onde seria diretor da Casa da Moeda. Bernardi lhe disse: “– Você escreve, traduz, desenha… Seria o homem ideal para tomar conta da Revista do Globo no futuro.” “– Por que no futuro – repliquei –, se estou precisando dum emprego agora?”, disse ousadamente, pois não conhecia nada de “cozinha” de revista. O emprego era de Erico Verissimo.
Aos poucos, Henrique Bertaso e Erico Verissimo começaram a fazer da livraria uma editora, a editora Globo, responsável por lançar alguns dos mais importantes clássicos da literatura universal, como Em busca do tempo perdido, de Marcel Proust; A montanha mágica e Os Bruddenbrooks, de Thomas Mann; Lord Jim, de Joseph Conrad; As vinhas da ira, de John Steinbeck; Orlando e Mrs. Dalloway, de Virgínia Woolf, entre muitos outros monumentos da ficção. O mais incrível nessa história é o método de tradução desenvolvido por Erico Verissimo, hoje impensável para qualquer editor: havia uma biblioteca da editora, com dicionários e enciclopédias, onde tradutores passavam seus dias. Quando concluída a tradução, as provas eram enviadas a um revisor, que cotejava o texto em português com o de língua estrangeira e fazia as correções necessárias. Em seguida, a tradução era discutida entre o tradutor e um especialista da obra.
Sim, a editora Globo continua com muitos de seus livros, agora já empoeirados, nas estantes das melhores bibliotecas privadas e públicas, bem como nas melhores lojas de livros de segunda mão. Algumas tradução foram compradas por novas editoras e também continuam sendo procuradas pelos leitores mais rigorosos.
LANÇAMENTOS
O índio antes do indianismo, de Alcmeno Bastos. Rio de Janeiro: 7Letras, 136 p.
Análise da presença do índio na literatura brasileira que antecede o romantismo, que valorizou intencionalmente a figura do autóctone como símbolo de brasilidade. Professor da Faculdade de Letras da Universidade Federal do Rio de Janeiro, o autor analisa os autos de José de Anchieta; Prosopopeia (1601), de Bento Teixeira; a poesia de Gregório de Matos; O Uraguai (1769), de Basílio da Gama; e Caramuru (1781), de Santa Rita Durão.
A lua no cinema e outros poemas, organização de Eucanaã Ferraz. São Paulo: Companhia das Letras, 144 p.
Esta antologia reúne alguns temas e autores fundamentais da lírica de língua portuguesa, como o amor, a natureza e a passagem do tempo. Entre outros, encontram-se poemas de Alexandre O’Neill, Antonio Cicero, Camilo Pessanha, Carlos Drummond de Andrade, Fiama Hasse Paes Brandão, Gastão Cruz, José Paulo Paes e Murilo Mendes.
O esquizoide. Coração na boca, de Rodrigo de Souza Leão. Rio de Janeiro: Record, 80 p.
Livro inédito que reúne discurso biográfico e ficcional. Trata-se de um relato sobre a vida de um escritor esquizofrênico, que busca romper com os preconceitos em torno desse distúrbio psiquiátrico.
CUIDADO, AVALANCHE
Colunista do caderno Prosa & Verso do jornal O Globo, José Castello resenhou o primeiro livro de Ismar Tirelli Neto (1985), Synchronoscopio (Rio de Janeiro: 7Letras, 2008), manifestando a dificuldade de ler um jovem poeta que, segundo o crítico, não revela qualquer diálogo com a tradição. Neste ano, Tirelli Neto publicou seu segundo livro, Ramerrão (Rio de Janeiro: 7Letras), que talvez lance ainda mais dificuldades à crítica. Não que falte tradição à esta obra: ao contrário, desde seu livro de estreia Ismar engendrou diálogos sofisticados com a tradição, que escapam, no entanto, dos jogos intertextuais mais previsíveis. O mesmo pode ser observado no livro de Victor Heringer (1988), Automatógrafo, outro título da excelente coleção da 7Letras.
Um dos aspectos que singulariza a novíssima geração, nascida nos anos 1980, é a tentativa de fugir da já consagrada poesia do menos, que segue os modelos de João Cabral de Melo Neto e dos concretistas. Ismar Tirelli Neto e Victor Heringer muitas vezes preferem desenvolver poemas com dimensão épica. Pensemos em microepopeias: não somente pelo número reduzido de versos, mas também por se tratar de um épico desenvolvido no espaço íntimo das pequenas superações cotidianas, não da tentativa de suportar um ataque inimigo, mas os dramas de cada dia. Isto fica evidente em “Suma”, de Tirelli Neto, e “Meridiano 43 w/e”, de Heringer, respectivamente: “Mestre, / eles me condenaram / à vida rarefeita. Estou / no gráfico sem crista, / imodulado: vox populi, / voz Dei. Minha mãe / secou & não posso mais / voltar. A que devo / voltar-me, então? / Quatro meses numa cela / estudando opções / de norte. Tirania / de objetos, imagens, / canções. Dores / constantes / na nuca & nos / quadris”; “Vá para o Leste, sangria desatada; / antes do Rio nos espera (longe carnaval) / nos cubos da noite c/ punhais d’inverno.”
O microépico é também invadido pelo drama, às vezes com um tom sentimental, como em “Segunda Guerra do Golfo”, de Victor, em que as imagens do conflito televisionado, hollywoodiano, parecem refletir-se na superfície do corpo do telespectador, até que chegam a regiões mais profundas. A imagem do golfo sai então da superfície e contamina o sujeito com nervosismo (“no estômago”) e angústia (“nos pulmões”): “É que / acordo com o golfo concavado nos olhos, / na testa, no ouvido, no estômago, nos pulmões.” Talvez Ismar possa dar o conselho a Victor: “Calma, / desse jeito acaba tendo / uma avalanche.” Isto porque o microépico desses dois poetas revela marcas de estresse que se voltam contra o sujeito, mas que fraturam também a própria estrutura épica, investida do lirismo a problematizar os pequenos fatos da existência. No caso de Heringer, muitas vezes a fratura surge de um saudosismo intenso para alguém tão jovem.
AS ESTRELAS DA FLIP
Nas nove edições da Festa Literária Internacional de Paraty, três escritores portugueses estiveram entre as suas principais atrações: António Lobo Antunes, em 2009, Inês Pedrosa, em 2010, e valter hugo mãe, neste ano. Seus títulos ainda ocuparam o cume da lista de vendas da Livraria da Vila, responsável oficial pela realização dos lançamentos das obras dos autores convidados para a festa literária mais charmosa e importante do Brasil. Em edições mais remotas, do espaço da lusofonia, Angola e Moçambique, foram os principais destaques da festa os autores José Eduardo Agualusa, em 2004, Ondjaki, em 2006, e Mia Couto, em 2007, que se consolidaram definitivamente por aqui.
Intrigante, entretanto, é o fato de as vendas da Flip de autores portugueses não se estenderem a longo prazo a outras livrarias e regiões do país. Haveria um descrédito tamanho em torno da literatura portuguesa que apenas a fala é capaz de despertar algum interesse?
Talvez a fala desses autores portugueses esteja revelando um discurso emocionado e vibrante que os brasileiros não pressupõem, por associarem Portugal quase estritamente à melancolia. Talvez os brasileiros não pressupõem que o Brasil está muito mais ligado a Portugal do que parece, a distância.