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De Paulo para Thereza

Extraído do site do Instituto Moreira Salles:

Há exatos 50 anos a mocinha de 18 anos Thereza de Oliveira da Silva ganhava o primeiro lugar do concurso “Realize seu sonho”, promovido pela revista Claudia. Pedia uma festa de casamento com garçom e bufê, mas principalmente com a presença do cronista de sua predileção: Paulo Mendes Campos. Ao pé do altar e acompanhado da mulher, Joan Mendes Campos, ele apadrinhou o casal e, na festa de realização do sonho da noiva, leu a crônica “Para Thereza”, em substituição ao costumeiro discurso.

Ao longo da vida, a afilhada concretizou o desejo do cronista, que lhe escrevera: “Nenhum dinheiro do mundo pode comprar este generoso sentimento do milagre que é viver, sonhar”. Leia a crônica e veja o depoimento de Thereza hoje, viúva de José Francisco de Sousa Leite, com quem teve três filhos. Ela conserva o hábito de sonhar e viver com esperança, a despeito da dureza com que a vida tem lhe tratado.

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“O amor acaba”, de Paulo Mendes Campos

O amor acaba. Numa esquina, por exemplo, num domingo de lua nova, depois de teatro e silêncio; acaba em cafés engordurados, diferentes dos parques de ouro onde começou a pulsar; de repente, ao meio do cigarro que ele atira de raiva contra um automóvel ou que ela esmaga no cinzeiro repleto, polvilhando de cinzas o escarlate das unhas; na acidez da aurora tropical, depois duma noite votada à alegria póstuma, que não veio; e acaba o amor no desenlace das mãos no cinema, como tentáculos saciados, e elas se movimentam no escuro como dois polvos de solidão; como se as mãos soubessem antes que o amor tinha acabado; na insônia dos braços luminosos do relógio; e acaba o amor nas sorveterias diante do colorido iceberg, entre frisos de alumínio e espelhos monótonos; e no olhar do cavaleiro errante que passou pela pensão; às vezes acaba o amor nos braços torturados de Jesus, filho crucificado de todas as mulheres; mecanicamente, no elevador, como se lhe faltasse energia; no andar diferente da irmã dentro de casa o amor pode acabar; na epifania da pretensão ridícula dos bigodes; nas ligas, nas cintas, nos brincos e nas silabadas femininas; quando a alma se habitua às províncias empoeiradas da Ásia, onde o amor pode ser outra coisa, o amor pode acabar; na compulsão da simplicidade simplesmente; no sábado, depois de três goles mornos de gim à beira da piscina; no filho tantas vezes semeado, às vezes vingado por alguns dias, mas que não floresceu, abrindo parágrafos de ódio inexplicável entre o pólen e o gineceu de duas flores; em apartamentos refrigerados, atapetados, aturdidos de delicadezas, onde há mais encanto que desejo; e o amor acaba na poeira que vertem os crepúsculos, caindo imperceptível no beijo de ir e vir; em salas esmaltadas com sangue, suor e desespero; nos roteiros do tédio para o tédio, na barca, no trem, no ônibus, ida e volta de nada para nada; em cavernas de sala e quarto conjugados o amor se eriça e acaba; no inferno o amor não começa; na usura o amor se dissolve; em Brasília o amor pode virar pó; no Rio, frivolidade; em Belo Horizonte, remorso; em São Paulo, dinheiro; uma carta que chegou depois, o amor acaba; uma carta que chegou antes, e o amor acaba; na descontrolada fantasia da libido; às vezes acaba na mesma música que começou, com o mesmo drinque, diante dos mesmos cisnes; e muitas vezes acaba em ouro e diamante, dispersado entre astros; e acaba nas encruzilhadas de Paris, Londres, Nova Iorque; no coração que se dilata e quebra, e o médico sentencia imprestável para o amor; e acaba no longo périplo, tocando em todos os portos, até se desfazer em mares gelados; e acaba depois que se viu a bruma que veste o mundo; na janela que se abre, na janela que se fecha; às vezes não acaba e é simplesmente esquecido como um espelho de bolsa, que continua reverberando sem razão até que alguém, humilde, o carregue consigo; às vezes o amor acaba como se fora melhor nunca ter existido; mas pode acabar com doçura e esperança; uma palavra, muda ou articulada, e acaba o amor; na verdade; o álcool; de manhã, de tarde, de noite; na floração excessiva da primavera; no abuso do verão; na dissonância do outono; no conforto do inverno; em todos os lugares o amor acaba; a qualquer hora o amor acaba; por qualquer motivo o amor acaba; para recomeçar em todos os lugares e a qualquer minuto o amor acaba.

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“Cheira como inconformismo” – Tony Bellotto

Muito boa a estreia de Tony Bellotto no Segundo Caderno do jornal O Globo. A crônica foi publicada no dia 23 de junho de 2013:

Napalm

“Adoro o cheiro de napalm pela manhã”, diz o esquizofrênico coronel Kilgore, personagem interpretado por Robert Duvall em “Apocaypse now”, enquanto surfa nas marolas de um rio durante um bombardeio na Guerra do Vietnã. Ao final da frase – uma das mais famosas do cinema -, o patético Kilgore conclui, inspirado pelas emanações do líquido incandescente e devastador: “Cheira como& vitória”.

Avenida Paulista

Em São Paulo depois de um ensaio com os Titãs, me deparo a caminho do hotel, na Avenida Paulista, com tropas de choque da polícia militar e caio por acaso numa das manifestações que têm ocorrido com frequência em cidades brasileiras nos últimos dias. Testemunho uma batalha campal, com a polícia descendo descaradamente o sarrafo nos manifestantes. Flashes de meus tempos de estudante assaltam-me a memória e me reúno àqueles jovens que – há quanto tempo eu não via isso! – protestam contra alguma coisa.

Gás lacrimogênio

Ao sentir olhos, narinas e garganta arderem ao contato do gás lacrimogêneo, automaticamente me entrincheiro com os manifestantes contra a ação exageradamente violenta da polícia. Entre uma tomada de ar e uma esfregada nos olhos parafraseio o detestável coronel Kilgore – por motivos opostos aos seus, ressalte-se, já que sou um flanador ingenuamente anarquista e defensor radical dos direitos individuais e da democracia: “Adoro o cheiro de gás lacrimogêneo ao cair da tarde. Cheira como& inconformismo.”

Polícia para quem precisa

Sou de uma geração que cresceu durante a ditadura militar e atingiu a maioridade quando o país se redemocratizava. Participei de manifestações contra a ditadura e a favor das eleições diretas e da anistia. Integro uma banda que se notabilizou pelo discurso contestador e insubmisso. Não estivessem meus olhos lacrimejando por conta do nefando gás, eu poderia creditar a uma constrangedora onda de sentimentalismo as lágrimas que me escorrem pelas faces ao ouvir os manifestantes entoando a música “Polícia” – que compus há exatos 28 anos – como um hino de resistência à truculência policial na Avenida Paulista. “Polícia para quem precisa, polícia para quem precisa de polícia”& snif, snif.

Cavalo de Troia

Há tempos me intrigava a apatia dos jovens em relação à política. Uma estratégia que incluía a cooptação de estudantes pelo poder estabelecido, com o ardil eficiente de creditar qualquer insatisfação com um governo popular a uma manifestação “burguesa”, ou elitista – no melhor estilo com que se acusavam os contrarrevolucionários no stalinismo -, somada a um sentimento generalizado e ufanista, docemente iludido, de que o Brasil deu certo, aparentemente funcionou muito bem até aqui. Na eclosão do escândalo do mensalão nos idos de 2005 estranhei que tão poucos artistas se manifestassem contra a esbórnia institucional que aqueles eventos sugeriam. Os Titãs foram dos poucos – pouquíssimos – a compor uma canção que comentava a situação, e “Vossa Excelência” é um hit que não podemos – e não queremos – deixar de fora de nossos shows até hoje. Talvez o gás lacrimogêneo tenha limpado meus olhos como um colírio ardente e me permitido ver que a suposta apatia dessa juventude, como num ditado zen, era apenas um cavalo de Troia recheado de revolta.

Navegar é preciso

Os jovens manifestantes criticam os aumentos das tarifas dos ônibus e do custo de vida, a má qualidade de transportes, educação e saúde, e questionam a realização da Copa do Mundo e das Olimpíadas no Brasil. Ou seja, fazem o que jovens sempre fizeram, ou deveriam fazer: criticam, contestam e questionam tudo que acham errado. Os jovens falam por todos nós, ninguém aguenta mais tanta bandalheira e descaso. O movimento se expande e começa a receber adesões de toda a sociedade. O ponto mais interessante é que não aceitam a tutela de partidos nem de ideologias, pelo contrário, os abominam, o que demonstra que são mais inteligentes e articulados do que muitos gostariam. Ah, e se comunicam pelas redes sociais da internet, como fazem seus companheiros da praça Tahrir, da praça Taksim e de muitas outras praças libertárias espalhadas pelo mundo. E tem gente que ainda vê a internet como um poço de alienação. Navegar é preciso, dizia o poeta.

Caos

Pegos de surpresa, imprensa e políticos – e boa parte da população atônita – tiveram a princípio a percepção de que as manifestações expressavam uma ação desarticulada de vândalos incendiários e desocupados ressentidos. Mas estavam errados e já reformulam às pressas seus discursos e teorias. Concordo que qualquer patrimônio – histórico, público ou privado – não deve ser depredado, assim como o direito de protesto tem de ser respeitado até o momento em que ameace a segurança pública. Mas é muito difícil encontrar esse equilíbrio e algum caos terá de ser assimilado. É preciso ter um caos dentro de si para poder dar à luz uma estrela bailarina, dizia o filósofo.

Pai e filho

Me ocorre uma canção composta por Cat Stevens antes de se tornar um fanático religioso e sectário, “Father and son”. Nela Cat expressa duas visões de mundo na forma de um diálogo entre um pai e um filho. Diz o pai em tom grave: “Não é tempo de mudar, apenas sente-se e vá devagar, você continua jovem, esse é o seu problema, há muita coisa que você tem que enfrentar.” E o filho rebate em tom agudo, quase gritando: “Como eu posso tentar explicar, quando faço ele ignora, é sempre a mesma coisa, a mesma velha história. Quando pude falar, fui obrigado a ouvir. Agora há um caminho e eu sei que tenho de ir embora, eu sei que tenho de ir.”

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“Odeio o Brasil” – Francisco Bosco

Excelente a crônica de Francisco Bosco publicada no jornal O Globo, a 13 de junho de 2013:

Nunca pensei que fosse escrever isso. Fui formado principalmente por uma tradição de intérpretes do Brasil que enxergava na singularidade de nossa formação um vasto tesouro e um enorme potencial. A cultura popular em Mário de Andrade, a criatividade antropofágica em Oswald, a glória e a tragédia da miscigenação em Freyre, até chegar em intérpretes contemporâneos, como Risério, Caetano, Wisnik, Antonio Cicero, entre outros que, sem baratear nossos impasses e mazelas, permaneceram afirmativos da nossa singularidade e capazes até mesmo, como no caso de Caetano, de vislumbrar uma civilização brasileira com lições a oferecer ao mundo. Infelizmente, sinto-me cada vez mais afastado de um pensamento amoroso e afirmativo de nossa história, de nosso presente e, consequentemente, de nosso futuro.

Um dos traços mais positivos de nossa formação é o fato de que aqui o concreto prevaleceu sobre o abstrato. É claro que o reverso da moeda, como soube ver de modo seminal Sérgio Buarque de Holanda, é a incapacidade de regularmos as relações sociais pelos princípios abstratos e impessoais da lei. Mas o privilégio do concreto sempre foi um antídoto poderoso, um desmentido da realidade contra as ideologias totalitárias, da eugenia racista aos monoteísmos perseguidores. Continuo considerando, por causa disso, o Brasil um país especialmente apto a erradicar o legado da escravidão, mas para isso precisamos de uma massa de ações afirmativas, o que por sua vez esbarra no reacionarismo de classe e no negacionismo interessado (talvez seja a mesma coisa). Continuamos sendo, por um lado, uma cultura livre dos terrorismos étnicos e religiosos que assolam boa parte do mundo, mas, por outro lado, o crescimento do poder dos monoteísmos ameaça essa que é uma de nossas poucas virtudes civilizatórias. Os evangélicos paranoicos, os cristãos obscurantistas e a direita monossexual à Bolsonaro vão ganhando terreno cada vez mais perigosamente. A PEC 99/11, que possibilita a entidades religiosas questionarem decisões judiciais, elevando os valores da fé a argumentos jurídicos, pode, se passar, ser um marco terrível da reação.

E tudo isso acontece, pasmem, num governo supostamente de esquerda, que muitas vezes facilita essas manobras e se esquiva o quanto pode de se pronunciar com clareza sobre temas civis fundamentais. À presidente Dilma parecem interessar apenas as questões relativas à economia; os posicionamentos do governo quanto a temas como casamento entre homossexuais e descriminalização das drogas são omissos ou conservadores.

Mas o mais grave ainda está por vir. Num momento em que a Humanidade precisa modificar sua intervenção no ecossistema, sob pena de não haver mais espécie humana, o Brasil aprova um Código Florestal catastrófico, os ruralistas mandam e desmandam no legislativo, a esquerda desenvolvimentista do PT insiste em construir Belo Monte — e os índios vão sendo assasinados, torturados ou relegados à mendicância (ou emparedados até o suicídio). Em uma manifestação contra o fim da Aldeia Maracanã, o poeta Ramon Mello carregava um cartaz onde se lia a precisa pergunta: “O que se teme no índio?” Não é difícil responder. O índio é para a nossa sociedade o objeto que impossibilita o recalque de uma verdade dura demais: a verdade de que o “progresso” humano está nos conduzindo dialeticamente à morte, à morte de tudo e todos. Os desenvolvimentistas querem acabar com o índio pela mesma razão que nós enterramos um cadáver: porque ele nos lembra da nossa própria morte. É isso o que se teme no índio. Não encarar agora a verdade simbólica do índio implicará em ter que encarar a verdade real que o seu extermínio anuncia.

E enquanto essas grandes questões vão regredindo em nome do progresso, a vida ao rés-do-chão não apresenta sinal de melhoras. Sim, o país cresceu; milhões de pessoas saíram da linha da miséria (embora uma matéria recente da “Folha” tenha mostrado que os números são controversos). E isso não é pouco. É de condições básicas que estamos tratando, de justiça social mínima. Viva o bolsa família. Viva o emprego. Viva a PEC das domésticas. Mas é incrível como permanece a incapacidade da sociedade brasileira de se pensar como um organismo interdependente, onde as ações de cada sujeito devem seguir critérios de justiça para o bom funcionamento do todo. Aqui é cada um por si e todos contra todos. Isso degrada a confiança no respeito às leis, sem a qual os cidadãos não conseguem deixar de reproduzir o comportamento de violação dos pincípios públicos, e produz um desgaste insuportável na vida cotidiana.

Feito o desabafo, resta seguir lutando.

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Espalhe Drummond

Extraído do perfil da Companhia das Letras (Facebook):

(Verso do poema “O sobrevivente”, de Carlos Drummond de Andrade)

A Companhia das Letras passa a editar em 2012 a obra de Carlos Drummond de Andrade. Serão mais de 40 títulos ao longo dos próximos anos que terão textos estabelecidos por especialistas, indicações de leitura e ensaios inéditos, além de um projeto gráfico moderno e elegante.

Os 5 primeiros volumes da coleção chegam às livrarias dia 10:
– “A rosa do povo” (poesia)
– “Claro enigma” (poesia)
– “Sentimento do mundo” (poesia)
– “Contos de aprendiz” (contos)
– “Fala, amendoeira” (crônicas)

Para comemorar a chegada das novas edições, a editora preparou uma série de eventos espalhados por São Paulo e no Rio de Janeiro e outras capitais. Confira a programação:

DRUMMOND E O MUNDO

A Companhia das Letras, em parceria com SESC-SP, convida para o lançamento das novas edições e homenagem ao escritor Carlos Drummond de Andrade. O evento terá direção e apresentação de José Miguel Wisnik, direção de arte de Daniela Thomas e a presença dos músicos Arrigo Barnabé, Arnaldo Antunes, Marcelo Jeneci e Emicida. Durante a apresentação, serão exibidos pequenos filmes feitos pelo Instituto Moreira Salles e por Carlos Nader, com participação especial de Luiz Tatit e Alice Ruiz.

Quarta-feira, 14 de março, às 20h
Sesc Vila Mariana
Rua Pelotas, 141
Tel: 5080-3000 / 0800-11-8220
São Paulo / SP
www.sescsp.org.br
Retirada gratuita de até dois ingressos por pessoa, pelo sistema INGRESSOSESC, a partir das 14h do dia 8 de março, enquanto houver disponibilidade de lugares.

HOMENAGEM A DRUMMOND

A Biblioteca Nacional, a Casa da Gávea e a editora Companhia das Letras convidam para homenagem a Carlos Drummond de Andrade, por ocasião do lançamento das novas edições de sua obra pela Companhia das Letras, com participação de Cristina Pereira, Vera Fajardo, Paulo Betti e Eucanaã Ferraz.

Segunda, 12 de março, às 18h
Fundação Biblioteca Nacional
Jardins da BN
Rua México, s/n (entrada pelo jardim)
Centro – Rio de Janeiro

SARAU ESPECIAL DRUMMOND

Sarau Leitores e Leituras — Especial Drummond, com a participação do editor da Companhia das Letras, Leandro Sarmatz.

Quarta-feira, 14 de março, das 17h30 às 19h30
Biblioteca Mário de Andrade – Sala de Convivência
Rua da Consolação, 94 – Centro
Telefone: (11) 3256-5270
São Paulo / SP

AULA SOBRE A POESIA DE DRUMMOND

“A trajetória poética de Drummond”, aula sobre a obra do autor Carlos Drummond de Andrade com o Professor Doutor da faculdade de Letras da Universidade de São Paulo, Murilo Marcondes de Moura.

Quinta-feira, 15 de março, às 19h
Biblioteca Alceu Amoroso Lima
Rua Henrique Schaumann, 777
Telefone: (11) 3082-5023
São Paulo / SP

SARAU DA COOPERIFA DEDICADO A DRUMMOND

Quarta-feira, 21 de março, às 20h45
Rua Bartolomeu dos Santos, 797, Jd. Guarujá – Zona Sul
São Paulo / SP
cooperifa@gmail.com

ESPALHE DRUMMOND

Sábado, 10 de março
Carlos Drummond de Andrade (1902-1987) é um dos mais importantes poetas brasileiros e um dos maiores nomes da poesia do século XX.
Para comemorar a publicação de sua obra pela Companhia das Letras, com novas e modernas edições, a Companhia das Letras promoverá um dia de leitura de poesia de Drummond.
Confira abaixo as cidades e locais participantes.
Mais informações no site http://www.companhiadasletras.com.br/eventos.php

– Belo Horizonte:
Leitura Leitura Pátio Savassi
Leitura BH Shopping
Quixote Livraria
Livraria Mineiriana

– Brasília:
Livraria Cultura – Shopping Iguatemi Brasília

– Recife:
Livraria Cultura – Paço Alfândega

– Curitiba:
Livraria Cultura – Shopping Curitiba

– Rio de Janeiro:
Livraria Argumento – Leblon
Livraria Cultura – Fashion Mall
Livraria da Travessa – Ipanema
Livraria da Travessa – Leblon
Livraria da Travessa – Barra
Livraria da Travessa – CCBB
Estátua de Carlos Drummond de Andrade – Calçadão da Praia de Copacabana

– Porto Alegre:
Palavraria Livros & Cafés
Livraria Cultura – Shopping Bourbon Country

– São Paulo:
Livraria Cultura – Shopping Villa Lobos
Livraria Cultura – Shopping Market Place
Livraria Cultura – Shopping Bourbon
Livraria Cultura – Conjunto Nacional
FNAC Pinheiros
FNAC Paulista
FNAC Morumbi
Livraria Martins Fontes – Paulista
Livraria da Vila – Fradique
Livraria da Vila – Cidade Jardim
Livraria da Vila – Lorena
Livraria da Vila – Itaim
Livraria da Vila – Moema
Livraria da Vila – Higienópolis

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“O DNA das palavras”, de Carlos Heitor Cony

Reproduzo coluna de Calros Heitor Cony publicada no jornal A Folha de S. Paulo de 4 de março de 2012:

A Justiça acolheu o pedido de um cidadão que deseja modificar um verbete do dicionário de Antônio Houaiss, publicado sob a responsabilidade do instituto criado pelo famoso filólogo.

O verbete em causa é “cigano” e seus derivados, como ciganear, ciganice e outros. Como é praxe nos dicionários, há a relação de todos os significados de determinada palavra, inclusive aqueles que podem ser considerados ou que são realmente pejorativos.

Dando seguimento à ação, a Justiça pediu o recolhimento do estoque existente do dicionário em questão e estabeleceu pesada quantia a ser paga ao querelante, devido à indenização moral a que teria direito.

No passado, um intelectual de origem judaica também questionou o verbete “judiação”, constante de muitos dicionários. Não me lembro no que deu a ação, mas a palavra continua constando do léxico, com o significado de maltrato a alguém. É a linguagem do povo, verdadeiro autor e usuário das palavras.
O que se exige de um dicionário é que traga o maior número de significados para cada vocábulo, inclusive para aqueles que podem ser pejorativos ou insultuosos a determinados indivíduos, comunidades ou instituições.

Qualquer palavra pode mudar de significado conforme as circunstâncias e o tom da pronúncia. É o caso de “cachorrada”, altamente pejorativa, derivada de cachorro e cão. “Você é um cão” pode ser elogioso, no sentido de fidelidade, apego a
um amigo. Mas pode ser pejorativo, com o sentido de canalha: “Você não passa de um cão”.

Há o caso de “barbeiragem” e “barbeiro”, palavras relativas a um ofício antigo e digno, mas que a gíria adotou para designar, inicialmente, um mau motorista, e, depois, qualquer um que cometa uma ação errada.

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“Nara Tropicália” – Caetano Veloso

Em sua coluna do último sábado, Caetano Veloso lembrou de Nara Leão, de sua coragem, liberdade e luminosidade [via Conteúdo Livre]:

É muito por causa de Nara que eu desejo dissuadir os dirigintes da Odebrecht de manter o nome Tropicália no projeto  de condomínio que eles estão construindo em Salvador. Dizem-me até que este seria nas bordas da floresta que fica entre a Orla e a Paralela, na altura do Parque de Pituaçu.

 Ao anunciá-lo, o site da empresa dizia tratar-se de uma homenagem “ao movimento encabeçado por Caetano Veloso e Tom Zé. Nomes de outras canções minhas estavam sugeridos para praças internas. Será que os compradores de apartamentos gostariam de viver num lugar que se vende como homenagem sabendo que o(s) homenageados(s) não quer(em) que suas obras nomeiem o empreendimento?

Homenagem é a que a Escola de Samba Águia de Ouro, de São Paulo, vai prestar ao movimento tropicalista. Para isso tomo um avião e vou a Sampa juntar-me a Rita Lee. Os organizadores, ao expor seu enredo, mostraram conhecimento do que significa a Tropicália.

Mas um condomínio fechado, como parte do modo desregulado como vem se dando o crescimento da Cidade do Salvador, não condiz com nosso trabalho: nem o meu, nem o de Tom Zé, nem o de Gil, nem o de Rita, nem o dos irmãos Baptista, nem o de Duprat – nem o de Nara.

É natural que quase todos pensem em Nara como a musa da bossa nova e a pioneira da música participante: ela foi principalmente isso. Mas quero falar da Nara tropicalista. Bem, se ela é sempre retratada como uma moça tímida, um tropicalista ressaltaria antes sua personalidade determinada, seu desassombro em perguntar pela verdade crua das coisas, sua pesquisa permanente sobre a liberdade.

Três cenas representam Nara para mim. A primeira (nunca entendida corretamente pelo objeto da discussão): Nara me pergunta se eu concordo com amigos seus que, ao ouvirem Jorge Mautner falar em bomba atômica, contestam que “esse assunto não tem nada a ver com a realidade brasileira”, o que explicaria que Mautner fosse tido por eles como alienado.

A pergunta era feita por Nara como um pedido de socorro de sua inteligência franca, trazia o desconforto com o modo de pensar vigente nos meios em que andávamos. Ela não aceitava o veredicto e estava pescando argumentos para se posicionar responsavelmente.

A segunda cena suponho que esteja em “Verdade tropical”. Caía a audiência do “Fino da bossa” e subia a da Jovem Guarda. Paulinho Machado de Carvalho, dono da TV Record, marca reunião com Elis, Vandré, Simonal, Gil e Nara para buscar uma solução.

Gil pede que eu o acompanhe. Paulinho admite, mas não tenho voz, só posso ouvir.
Ouço. Vandré se arrepia e enche os olhos de lágrimas na defesa da cultura nacional contra o pop americanizado.Os outros, com bem menor veemência, repetem o discurso. Nara cala.

Paulinho pergunta:” E você Nara, não vai dizer nada? ” Nara dirigi-se exclusivamente a ele: ” Paulinho, você é o dono da emissora, eu sou contratada, canto nos shows para que for escalada. Só peço que, se for possível, não me escale num programa em que esteja Elis Regina: ela disse numa revista que eu não sou cantora”.

A terceira ressurgiu em minha cabeça anteontem à noite, ao ouvir Criolo dizer a Marília Gabriela o quão grande é sua admiração por Ney Matogrosso: numa minifesta na casa de Guilherme Araújo, Nara se aproxima de mim e propõe que saiamos, ela, Ney e eu: ela nutria fascinada curiosidade a respeito dele e queria ter uma aproximação sincera.

Saímos. Conversamos e muita coisa se revelou para ela. Sem sombra de obscenidade ou cafajestice, Ney, Nara e eu aprendemos muito sobre nós mesmos e sobre as complexidades da vida. Ela não teve nenhuma hesitação ao nos convidar a sair daquela casa, nem um milímetro de preocupação pelo que os outros poderiam pensar.

Nara não era tímida. Com sua voz trêmula e pura, com seu violão aplicado, ela foi uma grande artista, uma grande investida brasileira na modernidade. O mesmo impulso que a levou a perguntar sobre o Brasil e a bomba, a desmascarar a farsa do dono da estação de TV, a sair de uma festa pequena com dois colegas esquisitos, a fez ter a ideia de encomendar uma canção sobre um quadro de Rubem Gerschaman.

Assombrada com a passeata contra as guitarras elétricas (o segundo ato da comédia da TV Record para resolver problemas de Ibope), ela viu ali uma marcha integralista, protofascista. E assim me disse. Num dia de 25 de dezembro, ela me contou que, na véspera, estando sozinha na cozinha de sua casa, sentiu-se invadida de súbita e intensíssima felicidade: “Será motivo para preocupação ou comemoração?”,ela perguntou.

“Bem, foi um feliz Natal”, concluiu com um sorriso preocupado. Pouco depois apresentou sintomas mais sérios. Ela tinha algo de poeta. Tudo o que há de corajoso, livre, luminoso no tropicalismo é como o espírito de Nara Leão. Não posso trair sua memória: tenho que pedir à Odebrecht que retire o nome que batizou algo em que ela esteve envolvida de um projeto que representa, no limite, a ameaça de encher a Ilha dos Frades de prédios altos.

Copacabana (onde Nara cresceu) livrou-se da sombra sobre a areia com um aterro feito nos anos 70; Recife sofre ainda desse mal; Salvador, que teria tudo para ser uma joia, deve ao menos poder manter suas praias ao sol.

Nara era uma praia ao sol. Franca, livre. Por causa dela, não posso fazer por menos. “Tropicália’ não deve se confundir com o seu oposto. A morte prematura de Nara lançou uma sobra em minha vida; sua lembrança mantém o sol no meio do céu.

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Francisco Alvim lê Carlos Drummond de Andrade

É lindo e comovente o depoimento de Francisco Alvim sobre Carlos Drummond de Andrade: “Drummond te constrói por dentro. Ele é o engenheiro da sua alma.”

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Drummond: “Blagues e cambalhotas” – Ivan Marques

Excelente o ensaio de Ivan Marques, professor de literatura brasileira da USP, publicado na Folha de S. Paulo:

“Não, meu coração não é maior que o mundo. / É muito menor. (…) por isso freqüento os jornais, me exponho cruamente nas livrarias: preciso de todos”. Esses versos de abertura do poema “Mundo grande”, incluído no livro “Sentimento do Mundo”, sintetizam a nova orientação que, no começo dos anos 1940, já vivendo no Rio de Janeiro, Carlos Drummond de Andrade procurou dar à sua poesia, antes acusada de evasiva e individualista. Em contraste com a inércia de permanecer na concha ou na torre de marfim, o poeta “gauche” fazia naquele momento um esforço de dessacralização da figura do artista, revelando o desejo de estar em comunhão com os outros, de circular anônimo pelas ruas, de viver uma espécie de “solidão povoada”.

Há duas imagens fortes associadas a Drummond: o funcionário público e o representante do homem rural de Minas. Como se tivesse sido talhado à semelhança das montanhas, o poeta ganhou o rótulo de pedregoso, seco, introspectivo, desconfiado, de difícil acesso. Já a imagem do funcionário público parece corresponder com exatidão ao “bocejo de felicidade” que teria sido a sua vida. O epitáfio sugerido pelo poeta (“Este foi burocrata”) deixa clara a importância que ele dava a essa atividade, considerando-a o traço fundamental de sua biografia.

Para ele, entretanto, a atividade burocrática foi também espaço de devaneio e de criação literária – “a rotina e a quimera”, conforme definiu numa das crônicas do livro “Passeios na Ilha”. E não foi algo que o separou dos homens, ao contrário do que sugere o termo “repartição” (tão isolante quanto “ilha” ou “montanha”), mas uma porta aberta que o conduziu ao contato diário com as pessoas. O serviço público, reduplicado pela experiência jornalística, que iniciou bem cedo, no começo dos anos 1920, no “Diário de Minas”, ajudou a fazer dele um poeta sociável, poroso ao cotidiano, interessado nos problemas coletivos como poucos de nossos escritores.

*

Drummond tinha o gosto da conversa – daí a colaboração regular para os jornais, a farta produção de crônicas e o gosto de dar entrevistas. A ideia de que fosse sempre arredio, resistente aos entrevistadores, viessem do jornal ou da universidade, não se sustenta quando lemos as conversas – francas, soltas, penetrantes, irônicas e, sobretudo, amorosas – reunidas no livro “Carlos Drummond de Andrade”, que está saindo agora, pela Editora Azougue, com organização de Larissa Pinho Alves Ribeiro.

Ao todo, são dezessete entrevistas, cobrindo um período de 60 anos, de 1927 a 1987. Trata-se de uma sucessão de retratos do poeta, que acompanham com precisão os passos e os impasses de sua obra. Como fonte de informações biográficas, o volume é bastante útil, acrescentando dados ao material já fornecido por outras contribuições do gênero (“Dossiê Drummond”, de Geneton Moraes Neto, e “Os Sapatos de Orfeu”, a única biografia existente do poeta, de autoria de José Maria Cançado, ambos relançados recentemente pela Editora Globo). Mas o bom das entrevistas, quando insufladas por intensa vida literária e atenção ao “vasto mundo”, é que elas revelam os lances decisivos de todo um processo artístico-cultural, bem como os atropelos do processo social e histórico.

“Não dou entrevista” é o título da primeira delas, dada a Peregrino Jr. em 1927, na qual o poeta, ainda inédito e com modéstia mineira, prefere dizer alguns versos do que emitir opiniões. Depois confessará que tem dificuldade para falar de si mesmo, na primeira pessoa, ecoando a tendência a criticar a expressão egótica do indivíduo, que é um dos pontos nevrálgicos de sua lírica. Com o tempo, porém, as entrevistas foram amiudando, e duas décadas depois ele chega a gravar uma série de conversas com a amiga Lya Cavalcanti, publicadas mais tarde, nos anos 1980, com o título “Tempo, Vida, Poesia: Confissões no Rádio”. Na coletânea que chega agora às livrarias, há um time diversificado de entrevistadores, que inclui Geir Campos, Pedro Bloch, Fernando Sabino, Gilberto Mansur, Zuenir Ventura, Humberto Werneck e até mesmo a filha do poeta, Maria Julieta Drummond.

Um terço das entrevistas provém da década de 1980. Nessa fase final, elas teriam aumentado (inclusive na televisão) basicamente por dois motivos: o fato de Drummond ter abandonado sua coluna no jornal (espaço que já continha, segundo ele, tudo que podia dizer aos jornalistas) e sua transferência para uma nova editora, a Record, que lhe impôs, numa época de desenvolvimento do mercado editorial brasileiro, um esquema “profissional” de divulgação. Por coincidência, o mesmo processo se repete agora, quando a obra drummondiana migra para a Companhia das Letras – e o poeta, que em 2012 será homenageado pelos 110 anos de seu nascimento, volta com força às páginas dos jornais. Estivesse vivo, teria que dar um número infinitamente maior de entrevistas. E por certo não reclamaria, ele que, em seus últimos anos, não recusava sequer os pedidos de jovens estudantes – recebia as perguntas sempre por escrito e enviava as respostas invariavelmente “dentro de 24 ou no máximo 48 horas”.

Se algumas perguntas eram ingênuas, repetindo lugares comuns e tendendo a colocar o poeta “nas nuvens”, as respostas, ao contrário, eram sempre equilibradas, agudas e, muitas vezes, surpreendentes. Nas entrevistas, deparamos com a mesma sinceridade que se manifesta na correspondência com os amigos. Essas duas modalidades de expressão, aliadas ao texto jornalístico, compõem o espaço de uma reflexão ousada e inquieta, cujas antenas apontavam para todas as direções. “Nunca me furtei a dar minha opinião”, afirma Drummond.

Às crônicas, cartas e entrevistas, deveriam ser somadas as anotações de diário, como as do livro “O Observador no Escritório”, que trata da vida política e literária do Brasil nas décadas de 1940, 1950 e 1960. Essas páginas de opinião têm ainda algum parentesco com as dedicatórias, homenagens e votos de boas festas que o poeta dirigia aos amigos – reunidas no volume “Versos de Circunstância”, publicado este ano pelo Instituto Moreira Salles, com organização de Eucanaã Ferraz. Poéticas ou prosaicas, orais ou escritas, todas são falas ligadas ao presente e ao cotidiano. E nada disso destoa, afinal, da grande poesia que Drummond produziu não sobre as coisas eternas, que ele também abordou, mas poetizando a “circunstância”. O grosso de sua produção poética – e não só a fase participante dos anos 1940 – gira em torno da “vida menor”, da “enorme realidade”, o autor assumindo-se como “poeta do finito e da matéria”.

Os amigos são um capítulo à parte. Para eles, segundo o poeta, teria sido escrita toda a sua obra. Os maiores, afirmava sem hesitar, foram Mário de Andrade e Manuel Bandeira. Mas dizia que nada se comparava aos jovens que conheceu em 1920, em Belo Horizonte, que definiram o rumo de sua vida: Pedro Nava, Abgar Renault, Emílio Moura, João Alphonsus, Gustavo Capanema, Cyro dos Anjos, entre outros. Esteve sempre rodeado de companheiros, ao contrário do que dizem os versos do “Poema de sete faces”: “O homem atrás do bigode / é sério, simples e forte. / Quase não conversa. / Tem poucos, raros amigos / o homem atrás dos óculos e do bigode.” A estrofe ocupa o centro do poema, e a circularidade de sua construção parece reforçar o isolamento do poeta.

Ao comentar uma fotografia do jovem Drummond, Mário de Andrade brincou que ele tinha “cara de Ouro Preto”, que era um perfeito “homem da decadência”. Por conta dessa sisudez, mais tarde também diriam que ele parecia ter fugido de algum quadro de Modigliani. Entretanto, assim como estava cheio de amigos, o homem atrás dos óculos não era assim tão sério, também gostava de blagues e molecagens. É o que ele faz na sequência final do curta-metragem “O Fazendeiro do Ar” (1972), de Fernando Sabino e David Neves, desaparecendo atrás das pilastras do Ministério da Educação para surgir logo depois, todo sorrisos, como num passe de mágica. Contrastando fortemente com as imagens iniciais – do poeta andando tenso pelas ruas, de braço colado ao corpo, como de hábito -, essa brincadeira entre os pilotis sintetiza na verdade um dos traços essenciais de sua personalidade.

No caso de Drummond, o humor não representou apenas uma arma da inteligência, no duelo contra o sentimentalismo. As “cambalhotas” que lemos em seus versos correspondiam a uma tendência natural e profunda desse homem que na intimidade, segundo a filha Maria Julieta, se parecia bastante com Chaplin, não por acaso homenageado num longo poema de “A Rosa do Povo”. Outro artista que ele invejava era Vinicius de Moraes, por sua doce independência de espírito, sempre alheio às convenções sociais. Por trás do funcionário público, havia em Drummond um espírito anarquista, manifesto desde a adolescência. “Eu achava lindo esse negócio de jogar bomba”, confessou o poeta. São famosas as estripulias que praticou ao lado de Pedro Nava, arrancando placas das ruas, tocando fogo em bondes e até mesmo em numa casa de família (“ato gratuito” que depois ele chamou de “estupidez”).

*

Esse Drummond moleque, que nos surpreende atrás dos óculos – atrás da fachada de homem “triste, orgulhoso, de ferro” – é o mesmo que temos o prazer de reencontrar nas crônicas e nas entrevistas. Se escreveu tantas vezes uma poesia tensa, esquiva e até agressiva, eis que de repente o comediante ressurge em outras pilastras (“as colunas da desordem”, como diria Murilo Mendes), com a elasticidade de um macaco. Além de ser o lugar da opinião e da participação na vida pública, o jornal foi também o espaço amistoso desses deboches e cambalhotas. “Como cronista”, afirma o poeta, “eu me sinto um palhaço, um “jongleur”, dando saltos e cabriolas, fazendo molecagens.” Da mesma maneira, a leitura das entrevistas é diversão garantida (veja abaixo algumas das blagues do poeta).

Na introdução de seu primeiro livro de prosa, “Confissões de Minas”, Drummond afirma que a poesia diz respeito a momentos específicos, enquanto “a prosa é a linguagem de todos os instantes”. Por acolher de modo tão alargado a “consciência do tempo”, espelhando como o próprio veículo jornalístico a cacofonia das cidades, a prosa drummondiana não deixa de ser também um dos testemunhos mais concretos (e discretos) do espírito modernista, de que ele foi, desde a primeira hora, como se sabe, um dos principais representantes no Brasil. A “expressão livre e arejada” (nas palavras de Drummond num artigo sobre Abgar Renault), que é própria do movimento modernista, define com justeza o texto das crônicas. Também serve, claro, para a fala ainda mais livre e despachada das entrevistas, que o tempo todo mesclam indignação e deboche, discurso empenhado e blagues, erudição e gírias. Nos dois casos, reencontramos o jovem que, antes mesmo de aderir ao modernismo, já se pautava pelo temperamento “anarquista”, lúdico e antirretórico. Aqui se vislumbra, portanto, uma das faces mais características de Drummond: “a desenvoltura do poeta no mundo terreno”, no dizer de Sérgio Milliet.

O autor da peça mais escandalosa do período modernista, “No meio do caminho”, esboçou a princípio uma série de ressalvas ao movimento, especialmente ao nacionalismo estético proposto por Mário de Andrade. Mais tarde, porém, enquanto o autor de “Macunaíma” promovia críticas amargas ao vanguardismo de 1922, Drummond voltaria ao tema sempre com revisões ponderadas e positivas. Esses balanços são uma constante nas entrevistas, reiterando-se a cada década a valorização do modernismo por sua extensa repercussão na cultura brasileira, por sua “história viva, fecundante”, por ter sinalizado “coisas obscenas e dramáticas”, que depois seriam aprofundadas pela ficção e pela pesquisa sociológica. Tendo feito tudo isso, seria injusto vê-lo apenas como um brinquedo. O modernismo, conclui Drummond, “divertiu, irritou, destruiu e construiu, e ainda perturba a insônia de alguns pobres diabos”.

Um balanço contundente da geração modernista já tinha sido dado pelo poeta em 1944, ao publicar “Confissões de Minas”, relançado agora pela Cosac Naify, com posfácio de Milton Ohata e reprodução de cinco artigos que integram a fortuna crítica do livro. Os textos pertencem a vários gêneros, destacando-se os ensaios críticos sobre os companheiros do modernismo e poetas do período romântico, ao lado de evocações de velhas cidades mineiras. Se estas são interiorizadas, relevando a busca de uma “paisagem de dentro”, os perfis literários também revelam o perfil do próprio Drummond, de modo que tudo são confissões, ainda que indiretas. Paradoxalmente, o livro foi chamado pelo autor de “depoimento negativo”, um relato de como se libertou de seus “fantasmas particulares”, a começar pela sombra de Minas.

De acordo com Milton Ohata, “Confissões de Minas e “Passeios na Ilha”, de 1952 (também relançado pela Cosac Naify, com posfácio de Sérgio Alcides), são o correlato em prosa das inquietações que aparecem na poesia drummondiana das décadas de 1940 e 1950. “Passeios na Ilha” também investe na prosa de ensaio, voltada de preferência para matérias literárias, embora o autor, na introdutória, prefira chamar-se de “cronista”. Os livros apontam para direções contrárias: enquanto o primeiro exorta os escritores a participar das coisas do mundo (acompanhando a proposta engajada de “Sentimento do Mundo” e “A Rosa do Povo”), o segundo propõe o refúgio na ilha e admite como natural a evasão antes rejeitada, nos mesmos termos da coletânea de poemas “Claro enigma”.

Entretanto, como escreve Sérgio Alcides, o mesmo Drummond que, por meio da epígrafe de Paul Valéry, se dizia entediado pelos acontecimentos, também nessa época vinha consolidando sua presença no jornalismo carioca. E não seria esse, talvez, um dos sentidos da recusa das ofertas transcendentais da “máquina do mundo”? Não haveria aí uma disposição de abraçar materialmente o próprio mundo? Nas entrevistas dadas a partir do final dos anos 1940, Drummond também defende a liberdade do artista e seu direito à reclusão. Mas o fato de se expor cada vez mais frequentemente nos jornais reafirma o desejo de continuar sendo um intelectual ativo e participante.

*

É preciso, na verdade, desfazer essas antinomias, como insiste o poeta diante das perguntas dos seus entrevistadores. Se trabalhou no Ministério da Educação, isso não significa que tenha sido um “homem do Estado Novo”. Do mesmo modo, o fato de ter abandonado a esquerda não impediu que mantivesse a sua crença no socialismo. O individualismo não exclui a possibilidade de se fazer uma poesia social, assim como o engajamento não contradiz o cuidado com a linguagem, e assim por diante.

Drummond admite que, em 1964, por perceber um clima de “desordem” e não confiar na habilidade política de João Goulart, resolveu dar seu apoio à “revolução de 1964”. Mas logo depois se arrependeu, praguejando contra o autoritarismo e a intromissão dos militares na vida pública brasileira. Vinte anos depois, lançaria um olhar crítico sobre a transição da ditadura para a democracia, não aderindo à campanha das eleições diretas para presidente, por achar que o país precisava, em primeiro lugar, de uma estrutura constitucional. A todo momento reaparece o tema da menoridade política, obsessão de letrados e intelectuais ao longo de toda a história do Brasil.

O juízo sobre o futuro presidente Lula, que Drummond apresenta aos leitores 1984, época em que o PT ainda engatinhava, é simpático e ao mesmo tempo lúcido, apurado: “Numericamente, ele [o partido] é pouco expressivo, e acredito também que o Lula não seja um elemento capacitado para exercer uma ação política mais profunda, com fundamentos teóricos, para mudar a estrutura de poder no Brasil, mas é, por outro lado, sem injustiça nenhuma, um elemento poderoso e influente (…) e tem um ideal, tem uma palavra a dizer em nome de inúmeras pessoas.”

Drummond não podia, claro, prever o futuro – e lembra inclusive, a seus entrevistadores, que não era um astrólogo. Ocorre que, por estar tão preso à “vida presente” – cuja “explicação”, vale lembrar, dependia para ele do (re)conhecimento do passado -, o poeta acabou desenvolvendo olhares mais amplos sobre o Brasil e o mundo contemporâneos. Crítico desde jovem da modernização reificadora, também não tolerou, no final da vida, ver os prejuízos causados pela globalização ao “universalismo humanista” e às aldeias como Itabira, à qual o poeta se via atado, como homem eternamente “rural”. A massificação cultural, segundo ele, tinha ainda o efeito negativo de deteriorar o sentimento estético. E esse seria um problema no mundo inteiro, transformado em nosso tempo numa “mixórdia triste”. E arremata: “Poesia ruim porque os tempos estão ruins.”

Mas o tempo ruim também serve para movimentar a consciência crítica, que no caso de Drummond tem raízes amorosas, não se confundindo com o sarcasmo ou o desprezo. O amor, conforme já havia dito, é “palavra essencial”. Numa de suas últimas entrevistas, ele repete o elogio: “O valor transcendental da vida humana é o amor.” A pedido dos jornalistas, também falava muito do amor carnal e do livro de versos obscenos que ele relutava em publicar (“O Amor Natural” saiu apenas em 1992, cinco anos a pós a sua morte). Ele que tinha sido atacado, nos anos 1930, por escrever o verso “Oh! Sejamos pornográficos”, agora tinha medo de que o vissem como “velho bandalho”. Não haveria razão para susto. A despeito de sua admirável gravidade, essa lírica docemente pornográfica pode ser vista como mais uma “cambalhota” do nosso jovem anarquista, mais um sorriso amoroso que um de nossos mais autênticos modernistas dirigia às limitações da “vida besta” e terrena. Amor e humor, desde o começo.

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Coisas de amor que eles fizeram

Alexandra Lucas Coelho escreveu, em seu blog Atlântico-Sul, sobre Maria Bethânia, Maria Bethânia Guerreira Guerrilha, Reynaldo Jardim, Ramon Mello, Marcio Debellian, Rodrigo de Souza Leão. Um texto sobre o amor pelas coisas vivas. A crônica foi publicada no jornal O Público do dia 8 de outubro:

1. No dia 13 de Fevereiro de 1965 uma adolescente de 18 anos parou a história do Brasil. Aconteceu num palco do Rio de Janeiro, durante o “show” “Opinião”, encenado por Augusto Boal. Poderoso musical contra a ditadura, o “Opinião” juntava em cena o nordestino João do Vale, o negro Zé Keti e a musa carioca Nara Leão. Problemas de voz levaram Nara a ser substituída por Susana de Moraes, filha de Vinicius, e ao fim de duas semanas Boal convidou uma desconhecida para continuar a substituir Nara.

Os espectadores dessa noite de Verão viram então aparecer uma estranha adolescente, delgada como uma planta, cabelo negro preso na nuca, perfil de águia. Quando ela, inabalável, abriu a boca e bradou “Carcaráááááá!”, a música popular não foi mais a mesma. De onde vinha aquela voz? Do centro da terra? Do começo do mundo? “Carcará!
/ Pega, mata e come
/ Carcará!
/ Num vai morrer de fome
/ Carcará!
/ Mais coragem do que homem
/ Carcará!”

E olhos nos olhos da plateia, ela recitava, varrendo o espaço: “Em 1950 mais de dois milhões de nordestinos viviam fora de seus estados natais. 10% da população do Ceará emigrou. 13% do Piauí. 15% da Bahia…”

Era da Bahia que ela vinha. Chamava-se Maria Bethânia.

2. Na plateia estava o poeta Reynaldo Jardim e o abalo nele foi tão forte que gerou um poema contínuo durante os três anos seguintes. O livro saiu em 1968 com o título “Maria Bethânia Guerreira Guerrilha”. Os militares declararam-no subversivo e pornográfico, queimaram os cinco mil exemplares da edição e interrogaram Bethânia sobre o assunto, em Dezembro, quando a prenderam. “Queriam saber porque eu causei esse livro, porque esse cara escreveu esse livro para mim… É um poema lindo do Reynaldo, uma coisa de amor que ele fez”, contou Bethânia numa entrevista a Marília Gabriela.

3. Ramon Mello e Marcio Debellian nasceram muitos anos depois do livro ser queimado. Mas Ramon, jornalista, poeta e admirador da obra de Reynaldo, estava a tentar marcar uma entrevista com ele quando ele morreu, em Fevereiro passado, aos 82 anos. E Marcio, idealizador e produtor por exemplo do filme “Palavra (En)cantada” sobre a relação entre poesia e música no Brasil, ficara a saber do livro ao ver um extra de um DVD de Bethânia.

Juntos, decidiram arranjar forma de reeditar “Maria Bethânia Guerreira Guerrilha”. Uma edição original achada na Internet custava 2500 euros. A solução foi falar com a viúva de Reynaldo, Eliana Daher. Ela não só lhes cedeu um exemplar sobrevivente como recortes da altura. Compraram os direitos, prepararam um volume acrescentado de vários textos sobre o caso, mas mantendo o grafismo original, e propuseram a Bethânia dois “shows” para coincidir com o lançamento. Vão acontecer dia 18 e 19, no Rio de Janeiro.

4. Declaração de interesses: sou amiga de Ramon e Marcio. Ramon é o Dylan Tupiniquim Thomas do começo destas crónicas. Conheci-o na praia desde logo a falar de poesia. Marcio apareceu bem depois, mas também desde logo a falar de poesia.

A primeira vez que soube do livro de Reynaldo sobre Bethânia foi há semanas, na minha casa do Cosme Velho, numa noite de quase Primavera em que Ramon, Marcio, e não apenas eles, leram em voz alta, e em volta, “O Amor Em Visita”, de Herberto Helder.

O livro de Bethânia era só uma das várias coisas que eles estavam a fazer. Por exemplo, Ramon ainda nem sabia se ia conseguir montar a exposição “Tudo vai ficar da cor que você quiser”, uma retrospectiva da pintura de Rodrigo de Souza Leão.

4. Criador esquizofrénico e prolífico, Rodrigo de Souza Leão nasceu no Rio em 1965 e morreu numa clínica psiquiátrica em 2009, deixando todo um espólio de textos e pinturas. A pedido da família, Ramon ficou como curador da obra, contou-me tudo isto numa tarde em que ia justamente a casa dos pais de Rodrigo e perguntou se eu não iria com ele. Fui e vi as telas serem desenroladas no chão da sala, uma a uma, até não caberem mais. Nascia aí o projecto da exposição. O Museu de Arte Moderna [MAM] do Rio de Janeiro estava disponível para a receber, com a colaboração da portuguesa Marta Mestre, curadora assistente, mas não tinha dinheiro.

Então nos meses seguintes, entre a preparação do livro de Reynaldo-Bethânia, Ramon organizou um “crowdfunding”, ou seja uma colecta na Internet, para conseguir concretizar a exposição. E pelo meio ainda ia ensaiando uma adaptação a teatro de “Todos os Cachorros São Azuis”, livro de estreia de Rodrigo.

O espectáculo estreou em Julho, quando eu estava na Amazónia. Quando voltei, com 15 textos para escrever de seguida, a única noite em que saí de casa foi para o ver.

5. Em “Todos os Cachorros são Azuis”, Rodrigo está no hospital psiquiátrico, acha que lhe puseram um “chip”, sente choques eléctricos e os seus melhores amigos são alucinações, Rimbaud e Baudelaire.

Ele fala com os dois assim: “Rimbaud andava sobre o muro. Sai daí, seu filho-da-puta. Cuidado. Fui para o quarto para não ver minha adrenalina crescer. Rimbaud veio logo atrás de mim. Estou só. Este mundo é assim. Cadê o Baudelaire? Está jogando sinuca.”

Ou, convocando Pessoa para o trio eléctrico: “Não sou nada, Rimbaud. Quer um cigarro? Nunca serei nada. Não posso querer ser nada. À parte isso, tenho em mim todos os remédios do mundo. Rimbaud, serei sempre ‘o que não nasceu para isso’, serei sempre aquele que esperou que lhe abrissem a porta numa parede sem porta. Rimbaud, já estamos cansados dessa festa, não? Baudelaire fez até um poema. E nós, nada.”

Em “Me Roubaram Uns Dias Contados”, conto tornado romance, último romance de Rodrigo antes da morte, talvez autobiografia (mas romance pode não ser autobiografia?), todos os “personagens caminham na direcção de uma grande metamorfose”, escreve o poeta Leonardo Gandolfi na introdução. “Se essa metamorfose não se chamar apenas literatura será porque também a conhecemos pelo nome de amor.”

Por causa de Bethânia, Reynaldo fez um livro. Por causa de Bethânia e de Reynaldo, Ramon e Marcio vão fazer um livro e espectáculos. Por causa de Rodrigo, Ramon está a fazer livros e vai fazer uma exposição, incluindo catálogo com textos de Heloísa Buarque de Holanda e Paulo Sérgio Duarte, em que nenhuma das obras será para vender, todas serão para doar.

Abre daqui a um mês no MAM. Lá estaremos, Tupiniquim.

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