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De A teus pilotis, de Nicolas Behr

 

e deus criou o mundo
(brasília)
o homem (jk)
e a mulher
(dona sarah)
em 6 dias
entre 1956 e 1961 a.c.

(naqueles tempo bíblicos
o ano tinha apenas 1 dia)

no sétimo dia
um domingo
deus descansou

no rio de janeiro

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“Grande sertão: veredas” e Paulo Mendes da Rocha

 

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“Brasil na rua (1): do Movimento Passe Livre aos anarquistas do Black Bloc” – Alexandra Lucas Coelho

Texto de Alexandra Lucas Coelho extraído de seu blog, Atlântico-Sul:

No começo era a luta pelo transporte público, depois explodiu. O Brasil está há dois meses em convulsão, com protestos diários. Anuncia-se um “badernaço” para 7 de Setembro, Dia da Independência. Primeira de quatro reportagens.

Uma massa avança pela Avenida Paulista, vitrine do capitalismo no Brasil. Muitos vestem roupa escura e têm a cara tapada: máscara, capuz, lenço, pano. Na frente, a bandeira vermelha e negra que une anarquistas e socialistas libertários. Atrás, polícia de choque com escudos, espingardas, cassetetes. Por cima, helicópteros varrendo a noite com um foco de luz.

De repente, a massa corre para o átrio de um Santander e é o tumulto contra as paredes de vidro, até que um dos manifestantes avisa: “Tem gente dentro! Tem gente dentro!” Pessoas a levantarem dinheiro nos caixas automáticos. O alerta multiplica-se, nada chega a ser partido, todos voltam à pista central.

É quinta-feira, 1 de Agosto. Há menos de uma semana, uma manifestação maior, também com bandeira vermelha e negra e gente de cara tapada, atingiu 13 agências bancárias na Paulista. Esta noite são apenas várias centenas de pessoas, mas claramente focadas nos princípios do movimento pró-anarquista Black Bloc: acção directa contra coisas, não pessoas, que representem o capitalismo.

Os manifestantes caminham para o fim da avenida. Há cartazes pelo “Poder Popular”, convocatórias para um acampamento contra o governador paulista Geraldo Alckmin, faixas perguntando “Cadê o Amarildo?”, o ajudante de pedreiro da favela da Rocinha desaparecido há semanas que se tornou símbolo de luta: a última vez que foi visto estava a ser levado pela polícia militar do Rio de Janeiro.

Então, a tropa de choque concentra-se no asfalto, reforço de carros atrás, polícia militar dos lados. Compasso de espera e um manifestante de preto avança, braços erguidos na diagonal, punhos fechados, em desafio silencioso. A seguir outro, cabeça coberta com pano negro, tronco nu. E outro, cabeça coberta com pano verde. Até que se cria um cordão de punhos encostados uns aos outros, erguidos perante os escudos e as espingardas: sobretudo homens mas também mulheres, sobretudo jovens, alguns mesmo adolescentes, vários de cara descoberta.

Com o resto da manifestação nas costas, o cordão aproxima-se dos polícias de choque: “Assassinos! Fascistas!” Os insultos alternam com incitações: “Recua! Recua!” E urros ritmados: “Hu! Hu! Hu! Hu!” Uma tensão que é a soma de mês e meio de protestos, por vezes violentamente reprimidos, o maior levantamento popular no Brasil desde as manifestações que derrubaram o presidente Collor de Mello em 1992.

Depois o cordão transforma-se numa massa de braços levantados, aos gritos: o nome dos desaparecidos, dos desalojados à força. Rapazes de cabeça coberta ajoelham-se de punhos erguidos, dando as costas à polícia, que se mantém quieta. Tudo indica que, esta noite, o batalhão de choque tem ordens para não carregar se nada for partido.

Entretanto, no tumulto em volta, manifestantes são detidos, e a massa vai até à carrinha policial: “Solta! Solta! Luta não é crime!” Entre os que gritam está Felipe, estudante de História na Universidade de São Paulo (USP) e porta-bandeira vermelho e negro. “A nossa bandeira é o anarco-sindicalismo, a gente quer uma sociedade organizada pelos trabalhadores”, diz, cara descoberta, aparelho nos dentes. “Só esse trimestre [passado] o banco Itaú lucrou mais de três bilhões de reais.” Para atalhar a questão do quebra-quebra, como dizem os brasileiros.

 

No vão da História

 Indo ao começo desta convulsão no Brasil, um dos eixos será justamente a Faculdade de Geografia e História da USP, bastião da universidade pública com longa tradição de esquerda.

Estamos na véspera da manifestação na Paulista e o vão do edifício está cheio de bandeiras, cartazes, palavras de ordem. Encontro marcado ao começo da noite com Luísa Mandetta, 19 anos, estudante de Ciências Sociais, uma das militantes do Movimento Passe Livre (MPL), onde não há líderes nem porta-vozes, todos são militantes.

O MPL foi o rastilho, em Junho, ao convocar manifestações contra o aumento dos ônibus na cidade, de 3 para 3,20 reais. Transporte é um drama central em São Paulo, megalópole engarrafada, com um metro pequeno e atulhado, maus ônibus e cheios, além da corrupção associada a empresas de transportes. Tudo isto começa a ser também o drama de muitas cidades brasileiras em crescimento, e uma resposta policial aos protestos com gás lacrimogéneo, balas de borracha, muitas dezenas de feridos e detidos ajudou a que o levantamento engrossasse, espalhando-se pelo país, multiplicando as razões de protesto. Tribos e movimentos que há anos tinham trabalho de base vieram ao de cima. Poderes públicos e privados ficaram perplexos: tudo eram perguntas tentando entender verdades múltiplas, muito além do aumento. Entretanto o MPL ganhou a etapa a que se propusera: por todo o Brasil as novas tarifas de ônibus caíram em dominó. Assim reforçada, a luta continua.

Argolinha no nariz, lenço na cabeça, Luísa senta-se com um recado escrito na mão: uma frique que podia estar neste momento a construir a Festa do Avante. Mas não pertence a nenhum partido, nem é filha de militantes. Toda a militância dela é o MPL, que na página do Facebook, com 300 mil seguidores, se define como “movimento social autónomo, apartidário, horizontal e independente”, em luta “por um transporte público de verdade, gratuito para o conjunto da população e fora da iniciativa privada”.

Baptizado com esse nome, o colectivo existe desde o Fórum Social Mundial de Porto Alegre, em 2005, mas a ideia inspira-se em lutas anteriores pelo transporte público em Florianópolis e Salvador. Não se trata de “ônibus de graça”, esclarece o manifesto: “Esse ônibus teria um custo, mas pago por impostos progressivos, não pela tarifa. O que a prefeitura precisa fazer é uma reforma tributária nos impostos progressivos, de modo que pague mais quem tem mais dinheiro, que pague menos quem tem menos e quem não tem não pague (impostos e taxas).” E ainda: “Distribuir melhor o orçamento público, separando uma parte para subsidiar o transporte, ao invés de gastar dinheiro em propaganda, corrupção e obras que não atendem às reais necessidades da população.”

Com a desenvoltura de quem dá o seu tempo livre ao MPL há dois anos, Luísa explica: “Vemos a mobilidade urbana como a questão que atravessa todo o direito à cidade. Para você ter saúde, educação, lazer, cultura, tem de conseguir chegar aos lugares. Então, transporte é luta de todo o mundo. Por isso o movimento tomou estas proporções.”

O aumento dos transportes tocou no bolso da população, foi o clique, mas muito trabalho já vinha a ser feito, na rua, em escolas, em campanhas, ressalva Luísa. E essa obstinação reflecte-se na firmeza com que ela e os colegas enfrentaram a polícia nos momentos violentos. “Nunca tive medo”, diz sobre a noite em que de repente se viu no meio de balas e gás. “Fui atrás, filmando tudo.”

 

Cultura de luta

 Junta-se à conversa Mayara Vivian, 23 anos, finalista de Geografia. Foi uma das enviadas do MPL a Brasília, quando a presidente Dilma Rousseff recebeu o movimento, já com a primeira batalha ganha. Fala das balas e do gás: “Cai uma bomba e a gente não sai. Ao invés de saírem correndo, as pessoas dispersam-se por grupos de 1000. Quem tem prática de manifestações diz: ‘Calma! Calma! Não corram!’ E isso foi sedimentado ao longo de anos.”

Mayara está no MPL desde a origem, ou seja, começou nisto aos 15. Brasília e o mundo podem ter sido apanhados de surpresa, mas o que rebentou em Junho não começou em Junho. “Construímos uma cultura de luta”, resume Luísa.

E no núcleo duro paulista não chegam a 50 pessoas. Tal como não têm líderes, não gostam de individualizar. Desconfiam da grande media brasileira, tradicionalmente conotada com interesses conservadores, políticos e económicos. Mayara não gostou de ser protagonista nos media e começa a responder de pé-atrás às perguntas do Público: onde cresceu, se conviveu com militância familiar. No máximo, diz que vem de uma periferia já na fronteira com o ABC paulista (a cintura industrial onde Lula foi operário), que os pais não têm ensino superior completo nem histórico de militância, que ela estudou sempre em escola pública.

Não fala sobre uma luta mais ampla. A “pauta” final do MPL — o objectivo — é a tarifa zero. E tem avançado, de batalha em batalha. “Há cinco anos a gente era chamado de maluco por falar em tarifa zero, mas agora conseguiu colocar isso na rua. Os 20 centavos eram a ponta do iceberg, por baixo tem os 3 reais.”

Acontece que a “pauta” explodiu em todas as direcções. E aí? O MPL vai continuar a falar só de tarifa zero? “Somos um movimento social anti-capitalista, portanto apoiamos todas as outras lutas para desconstruir a opressão generalizada”, ressalva Mayara. “A cidade é pautada pela lógica capitalista, expulsa pessoas, então a gente tem que ser solidária.” Por exemplo com ocupações ou resistência a despejos, de que São Paulo tem muitos exemplos no centro e na periferia.

Entretanto, uma das tendências nas manifestações foi a contestação generalizada aos partidos, abrindo todo um debate: a democracia representativa está a ser posta em causa?, a geração de 20 anos é anti-partidária? “O MPL não é anti-partidário, é apartidário”, distingue Mayara. A gente luta por um mundo em que caibam todos os mundos.” Vários partidos de esquerda se juntaram às primeiras manifestações e o MPL diz que são bem vindos todos os que reivindicam outra lógica de transporte público.

Ao mesmo tempo, o movimento cruza-se na rua com colectivos em que não se revê, como o Fora do Eixo, casa-mãe da Mídia Ninja, um fenómeno de transmissão dos protestos pela Internet (ver reportagem amanhã).

Exemplos exteriores em que os MPL se reveja? “Estamos inseridos num movimento histórico que tem a ver com os zapatistas”, diz Luísa. Ela própria esteve em Chiapas, num dos “caracóis” zapatistas, por coincidência aquele em que a repórter esperou à porta, enquanto viajantes de todo o mundo entravam, porque era jornalista, e os zapatistas tinham decidido que não iam falar a jornalistas.

Quando a repórter comenta que esse não foi um momento democrático, Mayara contrapõe: “Tem a democracia burguesa e tem a democracia das ruas.” Acha normal os zapatistas fecharem-se a jornalistas. “A reunião do MPL também é fechada. Se o Octávio Frias [director da “Folha de S. Paulo”] quiser vir numa reunião do MPL, não tem que vir mesmo.” Manifestações, acções em escolas, marchas, são abertas, “reuniões para discutir táctica são fechadas”. Parece vocabulário de guerra. “Mas a gente vive numa guerra de classes. E tem mídia de esquerda e mídia de direita. A gente chama de mídia de esquerda a que vai botar no jornal aquilo que a gente diz.” A outra mídia, dizem, manipula, acentua os actos de vandalismo. “A ‘Folha’ até inventou que a gente ia filmar os vândalos para ajudar a polícia.”

 

Zapata bloc

 Desde o encontro com Luísa e Mayara no vão da História, o MPL não parou: este segundo fim de semana de Agosto multiplicaram-se manifestações em Pernambuco e na Bahia, onde o governador os recebeu. Dia 14 de Agosto há uma manifestação convocada para o centro de São Paulo: “Chega de sufoco e corrupção: por um transporte público estatal de qualidade!”

E, na multiplicação das tribos, os militantes do movimento vão continuar a cruzar-se com o Black Bloc. Não usam a “acção directa” contra bancos ou multinacionais, mas coincidem em questões programáticas, como o anti-capitalismo ou a admiração por Zapata.

Na página do Black Bloc Brasil no Facebook, que no fecho desta edição estava com mais de 37 mil seguidores, o lema no topo vem de Emiliano Zapata: “É melhor morrer de pé do que viver de joelhos.” Percorrendo dias, semanas, meses, é possível encontrar tanto Einstein (“O mundo não será destruído por aqueles que fazem o mal, mas por aqueles que os olham e não fazem nada”) como clássicos do anarquismo e brasileiros contemporâneos.

Movimento-táctica com origem em grupos europeus desde os anos 80, o Black Bloc expõe, na sua página brasileira, um conjunto de princípios: não tem líderes; luta contra “grandes corporações, instituições e organizações opressoras”; protege os manifestantes da violência do estado; acredita que o pequeno empresário é vítima e também tenta protegê-lo; vê a polícia como inimiga “somente a partir do momento em que suas acções tomam carácter opressor”.

Está a crescer pelo país. Sexta-feira colocou a bandeira vermelha e negra na ocupação da Câmara Municipal do Rio de Janeiro. Para 7 de Setembro, Dia da Independência, promete um “badernaço” nacional, sobretudo em Brasília.

Na noite de 1 de Agosto, os seus adeptos acabaram a descer pela Rua Augusta, rumo à delegacia para onde tinham sido levados os detidos. Novo frente-a-frente com o batalhão de choque, até a polícia militar lançar gás de pimenta. Fora essa tosse, não houve bancos partidos, nem gás ou balas. E nenhum cara-tapada se recusou a falar com a repórter, nem que fosse só para dizer: “Nossa acção é directa, não tem necessidade de explicação.”

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Oscar Niemeyer (1907-2012)

Uma das lembranças mais fortes que tenho é da minha primeira visita a Brasília. O planalto, o ar seco – e o sol e a lua que pareciam maiores. Mas fiquei impressionado sobretudo com a arquitetura da cidade. Ao caminhar pela Praça dos Três Poderes, via as palmeiras, o espelho d’água e por fim as duas torres que enquadravam o sol e pareciam coar sua luz. Em contraste com as torres, as duas “cumbucas” sobre a laje de concreto. As torres subiam em direção ao céu e desciam pelas agúas do espelho, duplicando sua imagem. Era a beleza em seu estado mais equilibrado e harmônico. Havia paz e conforto naquelas formas. Tudo parecia claro e nenhum problema, nenhuma tensão, nenhuma perturbação interior resistia à beleza daquele lugar.

Depois, da varanda do hotel, fiquei horas observando o traçado das vias expressas, que misturam retas muito longas e algumas espirais. A mistura de retas e curvas também trazia grande plasticidade ao espaço urbano, visto de cima.

Contudo, ao mesmo tempo que a cidade parecia muito concreta e apreensível, revelava-se abstrata e inapreensível. Por causa disso, gosto tanto das fotografias de Marcel Gautherot que registram a construção de Brasília. Como um visionário, ele conseguiu registrar a densidade e a leveza que Brasília agrupa em suas formas.

Não posso senão lamentar a morte de Oscar Niemeyer. Mesmo com 104 anos, daqui, lembrando o que sua obra máxima me despertou, sua morte soa prematura. Mas, como ele mesmo dizia, “a vida é pequena e muito dura”.

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“Conversa de arquiteto”, de Oscar Niemeyer

Texto de Oscar Niemeyer publicado na seção Tendências/debates da Folha de S. Paulo, em 16 de julho de 2006:

Um dia, Darcy Ribeiro me contou uma história engraçada. Tinha organizado uma mesa-redonda para debater os problemas dos índios brasileiros. Entre os convidados, havia um índio seu conhecido, e, durante uma hora, as questões foram discutidas sem que ele dissesse uma única palavra.

Surpreso, Darcy o interrogou: “Você não que falar?”. “Não”, foi a resposta. O nosso antropólogo insistiu: “Por quê?”. “Estou com preguiça”, respondeu o rapaz.

Todos riram, e eu fiquei a matutar: será que o índio não acreditava mais em certo tipo de promessa, naquelas boas intenções a que os nossos irmãos mais pobres já estão tão habituados?

Confesso que, tal qual o índio, tenho preguiça de participar de congressos, simpósios que surgem sobre arquitetura, de escutar as opiniões mais ridículas, os pontos de vista já superados, que, neles, impacientes, somos obrigados a ouvir.

Certa vez, Alvar Aalto, cansado de tais conversas, declarou que não existe arquitetura antiga e moderna. O que existe, no seu modo de ver, é boa e má arquitetura.

É evidente que Alvar Aalto tinha razão. Mas como eram limitadas, nos velhos tempos, as possibilidades de se caminhar na arquitetura!

*

É sempre bom exemplificar. Lembrar como era penoso para Michelangelo limitar o diâmetro de suas cúpulas a 30 ou 40 metros. É lógico que ele teria gostado de poder fazê-las com 80 metros de diâmetro, como tive a oportunidade de realizar agora no museu de Brasília.

E recordo outro exemplo de como os arquitetos daqueles tempos ficavam a sonhar soluções arquitetônicas que só agora é possível concretizar. Lembro Calendario, o arquiteto que projetou o Palácio dos Doges, em Veneza, desejoso de nele criar um espaço mais amplo e obrigado a recorrer a uma enorme treliça de madeira. Problema esse que, hoje, uma simples laje de concreto resolveria.

Não acredito numa arquitetura ideal, por todos adotada. Seria a repetição, a monotonia. Cada arquiteto deveria ter a sua arquitetura, não criticar os colegas, fazer o que lhe agrada, e não aquilo que outros gostariam que ele fizesse. E, ainda, ter a coragem de procurar a solução diferente, mesmo quando sentisse que era radical demais para ser aceita.

Reconheço, sem falsa modéstia, que não me faltou coragem para desenhar as cúpulas do Congresso Nacional, que espantaram até Le Corbusier, a nos afirmar: “Aqui há invenção”. E, pelos mesmos motivos, agrada-me lembrar a praça do Havre, que projetei na França, eu a dizer ao seu prefeito diante do terreno escolhido: “Gostaria de rebaixar o piso desta praça quatro metros”. Recordo que ele me olhou surpreso, mas eu falava com tanta convicção que a praça foi rebaixada como pedi.

É claro que eu tinha razão. Minha ideia era protegê-la dos ventos e do frio que vinham do mar.

Hoje, das calçadas que a contornam, o povo, de cima, a vê e, espantado, desce pelas rampas para apreciá-la melhor. Eu, pelo menos, não conheço nenhuma praça como aquela, agora tombada e escolhida um dia pelo crítico italiano Bruno Zevi como uma das dez melhores obras da arquitetura contemporânea.

Confesso que vacilei em falar desse trabalho meu com tanto entusiasmo. É um exemplo de determinação profissional que cabia aqui mencionar.

Se examinarmos a questão da intervenção da técnica na arquitetura, basta lembrarmos o seguinte: antigamente, as paredes é que sustentavam os prédios; com o aparecimento da estrutura independente, elas passaram a simples material de vedação.

*

E surgiram a leveza arquitetural, as fachadas livres e os grandes panos de vidro que caracterizam a arquitetura atual. E, quando, por razões urbanísticas –para encurtar distâncias–, os prédios começaram a ganhar altura, foi a descoberta do elevador que tudo tornou possível.

E apareceram os grandes arranha-céus, uma solução que espalha o caos por toda parte se não forem observados os afastamentos horizontais indispensáveis, como tão bem ocorreu na Défense, em Paris.

Não foi apenas o progresso da técnica construtiva que marcou a evolução da arquitetura mas também as transformações das ciências e da sociedade.

Na Universidade de Constantine, na Argélia, por exemplo, projetamos somente dois grandes edifícios: um de classes, e o outro, de ciências. O objetivo era atender a Darcy Ribeiro, evitar a construção de prédios separados (um para cada faculdade). Desses dois edifícios todos os alunos se serviriam, criando a troca de experiências que o meu amigo considerava indispensável.

E foi assim, atendendo ao progresso da técnica e da própria evolução social, que foi possível chegar a esta etapa do concreto armado, que abriu aos arquitetos um campo novo de possibilidades.

Sempre digo que podemos voltar ao passado por simples curiosidade, lembrar a primeira verga, o primeiro arco, as grandes catedrais, mas o vocabulário plástico do concreto armado é tão rico que com ele devemos trabalhar.

*

Infelizmente, a simplicidade com que se busca explicar a evolução da arquitetura não impede que, por ignorância ou falta de sensibilidade, os problemas continuem a ser discutidos da maneira mais medíocre. Uns a insistir na importância da ligação com o passado, outros a defender uma arquitetura mais simples, indiferentes à técnica do concreto armado que nos permite todas as fantasias.

É claro que ele abre aos arquitetos os caminhos mais diferentes, e o que adotamos é, em princípio, reduzir os apoios, tornando a arquitetura mais audaciosa e variada.

E, como a procura da surpresa arquitetural nos ocupa e a curva nos atrai, é nas próprias estruturas que intervimos.

Esse é o momento em que o arquiteto define a sua arquitetura –uns, como nós, voltados para a curva livre e inesperada, outros, com igual empenho, para a linha reta por eles preferida. Às vezes me perguntam qual é a razão da predominância da curva em minha arquitetura. E recordo logo André Malraux a dizer: “Guardo dentro de mim um museu de tudo que vi e amei na vida”. E, como ele, é desse museu imaginário que muita coisa me ocorre com certeza, ao elaborar os meus projetos.

Na realidade, aprecio as coisas mais diferentes. Gosto de Le Corbusier como gosto de Mies van der Rohe. De Picasso como de Matisse. De Machado de Assis como de Eça de Queiroz.

Somente no campo da política sou radical, intransigente com o império assassino de Bush ou com os que, em nosso país, tentam combater o governo de Lula, que, diante dos problemas da América Latina, tão importantes para nós, tem sabido se manifestar.

Nestes momentos de pausa e reflexão é que me permito dizer que a vida é mais importante do que a arquitetura. Que, um dia, o mundo será mais justo e a vida a levará a uma etapa superior, não mais limitada aos governos e às classes dominantes, atendendo a todos, sem discriminação.

Releio este artigo e lembro Le Corbusier a escrever o poema sobre o ângulo reto, e eu a falar da curva que tanto me fascina:

“Não é o ângulo reto que me atrai Nem a linha reta, dura, inflexível, Criada pelo homem.

O que me atrai é a curva livre e sensual, A curva que encontro nas montanhas do meu país, No curso sinuoso dos seus rios, Nas ondas do mar, No corpo da mulher preferida.

De curvas é feito todo o universo, O universo curvo de Einstein.”

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