“Orlando”, de Virginia Woolf

Por atalhos que conhecia, abriu caminho agora pela vasta congérie de quartos e escadas até o salão do banquete, a cinco acres de distância, do outro lado da casa. Mas a meio caminho, nos quartos dos fundos, onde moravam os criados, deteve-se. A porta da sala de estar da Sra. Stewkley estava aberta – tinha ido, sem dúvida, com todas as suas chaves, atender à sua ama. Ali, porém, sentado à mesa dos criados, tendo ao lado um pichel e papel diante de si, estava um homem bastante gordo, bastante esfarrapado, cuja gorjeira estava bastante suja, e cujas roupas eram de estamenha parda. Tinha na mão uma pena, mas não estava escrevendo. Parecia estar dando voltas a um pensamento, até vê-lo adquirir forma e ímpeto a seu gosto. Seus olhos, redondos e nublados como uma pedra de estranha textura, estavam imóveis. Não viu Orlando. Apesar de sua pressa, Orlando parou. Seria um poeta? Estaria escrevendo versos? “Diga-me”, queria pedir-lhe, “todas as coisas do mundo inteiro”, porque suas ideias acerca dos poetas e da poesia eram as mais absurdas e extravagantes. Como, porém, falar com um homem que não nos vê, que está vendo ogros, sátiros ou talvez o fundo do mar? Assim ficou Orlando de olhos fitos, enquanto o homem rodava a pena entre os dedos, para cá e para lá; contemplava e meditava; em seguida, muito depressa, escreveu meia dúzia de linhas e levantou os olhos. Entretanto, vencido pela timidez, Orlando retirara-se, chegando à sala do banquete justamente a tempo para cair de joelhos e, inclinando a cabeça, confuso, oferecer à grande rainha uma escudela com água de rosas.

[Tradução de Cecília Meireles]

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